domingo, 6 de novembro de 2011

ORIGEM DA POESIA por Malte Laurids Brigge

Pois versos não são, como as pessoas imaginam, meros sentimentos (estes a pessoa tem bastante cedo), mas são experiências. Por causa de um só verso, devemos ver cidades, homens e coisas, devemos conhecer os animais, devemos sentir como voam os pássaros e conhecer o gesto que as pequenas flores fazem ao desabrochar pela manhã. Devemos ser capazes de pensar retrospectivamente em estradas por regiões desconhecidas, em encontros inesperados e em separações que longamente se sentiram aproximar; em dias da infância que ainda continuam inexplicados, em pais que tivemos de ferir quando nos traziam alegria e não o entendemos (foi alegria para outrem); nas doenças tidas na infância que começa tão estranhamente com tantas transformações graves e profundas, nos dias em lugares afastados e quietos e nas manhãs ao lado do mar, e no mar mesmo, nos mares, nas noites de viagem correndo pela montanha e voando junto a todas as estrelas - e ainda não basta podermos pensar em tudo isso. Devemos guardar a memória de muitas noites de amor, nenhuma delas igual à outra, das risadas das mulheres ao trabalhar, e em mulheres alegres, brancas, dormindo em leito de criança, juntando-se de novo. Mas devemos também ter estado ao lado do morimbundo, ter sentado ao lado dos mortos no quarto com a janela aberta e os ruídos indecisos. E não basta ainda termos essas memórias. Devemos ser capazes de esquecê-las quando são muitas e devemos ter a grande paciência de esperar até que novamente retornem. Pois ainda não se tratará das memórias mesmas. Não até elas se tornarem sangue dentro de nós, reflexo e gesto, inomináveis, e não mais se poderem se distinguir de nós mesmos, não até acontecer que em hora muito rara a primeira palavra de um verso surja no meio delas e a partir delas continue.

sábado, 21 de maio de 2011

O VALOR OCULTO

Dásio Castro Filho resolveu fazer uma pesquisa junto a pessoas para saber o que elas pensavam sobre a Vida, sobre o que ele intitulou de:

O LADO “OCULTO” DO SER

Quando saímos da esfera comum da qual pertencemos e por algum tempo paramos para refletir, percebemos que somos os responsáveis, em muitos casos, pelos males ou doenças que nos aflige e nos mata.

Observando diariamente as pessoas vemos que elas correm... correm e estão sempre correndo.

Questionados a respeito de tanta correria muitos, independentes de classes sociais ou profissões, não souberam definir os por quês de tanta correria. Num tom de ironia responderam-me que: “É a vida...”

Contudo, ao pedir-lhes para definir o que entendem por VIDA, a maioria se esquivou e não respondeu. Observei que ficaram confusos. Alguns até conseguiram responder. Disseram que a vida é um movimento contínuo e evolutivo... Outros responderam que a vida é um ato da existência, e outros que a Vida é nascer, viver e morrer.

Entrevistei dezenas de pessoas e as respostas, em resumo, foram as seguintes:

O QUE É VIDA?
É estar bem, ter um bom emprego, ganhar bem, ter dinheiro para comprar uma casa, carro, poder viajar, passear com a família, é conseguir suas necessidades básicas para viver.

O QUE SÃO NECESSIDADES DE VIDA?
É trabalhar e fazer o que gosta, viver em um ambiente alegre, receber um bom salário e assim, ter uma boa qualidade de vida.

O QUE É QUALIDADE DE VIDA?
É ter saúde e sentir-se bem física e mentalmente, não precisar tomar remédios ou consultar médicos. É sentir-se feliz.

O QUE É FELICIDADE?
É sentir-se tranqüilo, em paz comigo mesmo e com os outros, ter um emprego que pague bem para que eu possa comprar as coisas que precisar e ter liberdade para fazer o que quiser.

O QUE É LIBERDADE?
É poder ir e vir, falar o que pensa, poder escolher sua religião e realizar os objetivos pretendidos.

O QUE É RELIGIÃO?
É acreditar em um propósito espiritual e sentir-se bem naquilo que faz. É sentir-se bem junto a outras pessoas, sem medo ou doença.

O QUE É DOENÇA?
É ter uma infecção, sentir dor no estômago, dor de cabeça; crise renal e por causa disso, sentir tristeza e infelicidade.

O QUE É INFELICIDADE?
É um estado de abandono, solidão, saudades e não ter alguém com quem compartilhar momentos alegres, é perder a vontade de viver e esse entregar à morte.

O QUE É MORTE?
Morte é quando você deixa de existir, seja por um acidente ou naturalmente ou até mesmo por causa de alguma doença, né?... rs. E aí, você já era!

Pelas respostas concluo que as pessoas de maneira geral vivem reprimidas, tímidas e apreensivas. Muitos condicionaram a vida e sua importância a ter um bom emprego e salário, sem o que, sentem-se inseguras e desprotegidas. Apresentaram algo por fora que não condiz com o ser oculto. Tentam mascarar, possibilitando o aparecimento de doenças. Tornam-se frágeis psicologicamente, entediadas, desmotivadas, depressivas e é desta maneira que trazem a doença para si.

Refletindo sobre o que ouvi, para mim o SENTIDO DA VIDA está naquilo em que o homem acredita ou deposita valor, ou seja: se acredita no dinheiro, a riqueza lhe será por recompensa; se ama a seus filhos e parentes, o mundo lhe será por recompensa; se valoriza o seu intelecto e conhecimento, a solidão lhe será sua recompensa; mas se o homem acreditar no sacrifício pela humanidade, eis, então a CHAVE DA VIDA. Sua alma se alegrará e não haverá angústias. Esta será sua recompensa.
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Dásio coloca de uma maneira simples, a necessidade do homem em se sentir incluído no mundo capitalista. A maioria das pessoas entrevistadas disse que um bom salário resolveria seus problemas com a vida não se dando conta de que são pessoas com potencial para produzir, uma vez que cada um tem uma vocação e um dom.

Vocação e dom que deixam de lado por não acreditar ou por não saber que o possuem e em que área. Vivem na normose e assim acreditam que serão aceitos. Ignoram os apelos que a alma faz deixando de se perceber em relação ao sentimento que brota como água de suas almas. Não dando atenção à estes sentimentos, as doenças tomam espaço, a religão (re-ligar) deixa de cumprir sua função, a felicidade fica para o futuro, a vida não existe, só a morte que acontecerá em algum momento.

Nós psicoterapeutas estamos a serviço do homem como facilitadores para que eles, cada um a seu modo, redescubra a si mesmo. Ser Humano capaz de exercer seu livre arbítrio com consciência de que existe um “Eu Interior” ou “Ser Oculto”que rege todo o desenrolar desse “drama”, a ALMA.

Elizabeth Sartori, Psicoterapeuta Junguiana e Psicanalista
e-mail: sartori.beth@gmail.com

sábado, 5 de março de 2011

Drogas X Cultura

Concordo plenamente com Ilustríssimo Ministro Juca Ferreira quando diz “...levar em consideração a dimensão cultural para cunhar políticas públicas mais eficazes e mais adequadas à contemporaneidade”.

Queremos estabelecer leis, limites para as pessoas que se vêem envolvidas com drogas, mostrando nosso medo de não saber lidar com essa situação. Se pararmos um momento para refletir perceberemos que a pessoa se dirigiu para esse caminho por alguma necessidade interna que não foi atendida ou compreendida. A primeira atitude que temos é discriminar e apontar todos os defeitos que a pessoa tem. Isso não só acontece com aqueles que se drogam fazendo uso de produtos químicos, como derivados da maconha, cocaína, bebidas alcoólicas, etc. como também para outras drogas que dominam o ser humano, como exemplo: o preconceito, a impaciência, o desconhecimento, a mania, a falta de vontade, o devaneio, a falta de reconhecimento de valores, e por aí vai.

Antes de discriminar um “drogado” precisaríamos perguntar o que o levou para esse caminho. Muitos vão colocar com firmeza que foi isso ou aquilo. O que irão colocar pode ser um véu para encobrir o que de fato não tem conhecimento. É mais profundo do que pensam. Aqueles que determinam isso ou aquilo estão encobrindo sua própria “droga” se colocando numa posição confortável diante da situação em que estão.

Há de se conscientizar o indivíduo de que a droga é só uma camuflagem para algo sobre o que ele não pode ou não quer olhar. Algo que o tira da realidade externa e o conduz para o mundo das possibilidades, talvez seja o descrédito num objetivo de vida ou sobre suas aptidões, a fuga das cobranças que faz a si mesmo, a falta de condições para elaboração e em conseqüência uma consciência dominada e incapaz de se ver.

Acredito que os limites são necessários, mas pensemos em como poderemos de fato colaborar para que o indivíduo se torne conhecedor dos motivos que o levaram para esse caminho e então, possa conscientemente e queira de fato vir para a realidade, para a sua realidade, dar a sua contribuição à cultura com o que melhor pode fazer. Sim, porque todo ser humano pode contribuir, uma vez que foi dotado com habilidades que talvez nem as conheça ou não lhes dá a devida importância.

Do outro lado, temos os fornecedores. Eles só existem porque existe uma demanda. Ao entregar a droga dizem compactuar com o mundo de possibilidades fantásticas, alimentando os devaneios de quem as consome. Eles, os fornecedores, estão na mesma situação daqueles que se drogam, porém sem fazer uso “in loco” dos produtos.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

COMPROMISSO

O texto abaixo, escrito por Rosa Avello, lança um instrumento para reflexão.
Se ao nascer a criança é ensinada a seguir uma cartilha ditada pelos conhecimentos dos pais, como é que ela pode conhecer seus próprios valores? E, então, como ficam os compromissos? À quem o adulto atende? A si próprio ou aos valores daqueles que o criaram?
Elizabeth Sartori, Psicoterapeuta Junguiana.


COMPROMISSOS SÃO FORTES PORQUE ENVOLVEM PRINCÍPIOS E VALORES
Por: Rosa Avello, Psicoterapeuta

Quando assumimos um compromisso – no âmbito amoroso ou em qualquer outro -, o fazemos conosco, em primeiro lugar, em respeito àquilo em que acreditamos, àquilo que sustenta nosso caráter. Por isso, compromissos não são fáceis de quebrar. Pelo menos por pessoas que se conhecem bem e se respeitam. Estas são as mais confiáveis.

“... O assunto é nebuloso no cenário das relações afetivas. Alguns honram compromissos inexistentes, outros desrespeitam os existentes, há os que franzem o nariz frente à idéia de se compromissar e os que ficam indiferentes a ela, como se fossem imunes às conseqüências.

... De saída, é preciso pontuar que a palavra compromisso significa “com mais promessa”. Talvez por isso o senso comum confunda uma coisa com a outra. No entanto, a diferença entre eles é grande: a promessa é verbalizada e se sustenta enquanto houver o desejo que deu origem a ela. Compromisso é uma postura interna que precede a ação e lhe dá um rigoroso sentido.

Promessas são resultado de intenções surgidas em determinadas circunstâncias. Se a ocasião muda, o desejo de cumprí-las pode acabar. Por isso é relativamente fácil quebrar promessas – a não ser que sejam garantidas por compromissos, que se apoiam em princípios ancorados em valores e os valores de uma pessoa são quase imutáveis (exceto em casos especiais), o que torna os compromissos mais consistentes do que as promessas.

Em outras palavras, compromissos são acordos que se faz em primeiro lugar consigo mesmo (em respeito aos próprios princípios e valores) e depois com os outros. É por isso que costumam gerar expectativas, mesmo que não sejam enunciados. Pressupõe-se que, se alguém tem caráter, valoriza os compromissos e sempre irá honrá-los.

Quanto mais consciência se tem dos próprios princípios e valores, mais consistentes e confiáveis são os compromissos estabelecidos.

...No geral, as pessoas não se percebem e quando fazem escolhas egoístas tendem a negá-las. Ao desrespeitar a si mesmas, têm ações incoerentes que confundem e magoam quem nelas confia...”

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

PARTICIPAÇÃO MÍSTICA


O momento em que o ser está completamente entregue aos cuidados maternos dá-se quando esse ser vive na inconsciência de sua identidade onde o “pensar” e o afeto não fazem parte da atitude psíquica em relação à outros seres e objetos, uma atitude primitiva.

Nos tempos das cavernas o homem vivia sem tomar conhecimento do que lhe cercava, ignorando seus sentimentos e os de outros homens. Vivia retirando da natureza aquilo que ela podia lhe dar e, sem a crítica necessária, recebia e se satisfazia. Era uma relação paradisíaca onde o sujeito não conseguia distinguir-se claramente do objeto, como alguém que podia dar sua contribuição. O que ele vivia era uma identidade inconsciente que podemos conceituar como um fenômeno psicológico e psicopatológico já que a identificação era com as coisas, funções, papéis, etc... uma identificação com o todo externo.

Na participação mística esse sujeito vive em função do outro sem se dar conta de sua individualidade e de suas necessidades onde o que importa é o “pensar”, o “querer” e a “satisfação” do outro, mesmo que as atitudes lhe resultem em descontentamento interior ou perda de algo que lhe promoveria para um nível mais elevado. Não se trata aqui de egoísmo ou egocentrismo, mas de uma atitude que não vê e não se percebe enquanto pessoa que pode direcionar sua capacidade para o bem de si e do coletivo, do externo. Seu direcionamento está somente em fazer-se indispensável para um outro elegido. Esse outro pode ser uma pessoa, uma empresa, uma religião, um grupo, etc...

Acreditando que em se fazer indispensável será reconhecido pelo outro, assim, como o filho que atende aos desejos e necessidades de sua mãe numa atitude psicológica de se sentir importante para ela, uma vez que foi ela que o trouxe ao mundo e à ela esse ser se vê na obrigação de ser-lhe grato para todo o sempre.

O que coloco aqui não é a mãe geradora, mas a imagem de mãe que a criança recepciona e a imagem de filho que ele acredita dever ser para essa mãe. Esse filho fica aprisionado nessas imagens por muitos anos e desloca, sem se dar conta, para outras áreas de sua vida, como por exemplo: a esposa, a empresa, qualquer outro que possa corresponder ao papel dessa imagem.

Se formos para a mitologia iremos encontrar dentre muitos, Eros, que enquanto menino, brincava com os sentimentos dos humanos lhes arremessando a flecha do amor. Obedecendo sua mãe Afrodite na sua vaidade, Eros atira uma fecha em Psique para que nela nascesse o amor por um monstro, porém ao atirar, erra e se fere com a própria flecha. Começa aí o caminho para o amadurecimento de ambos, Eros e Psique. Eros sente aí amor por Psique e a leva consigo com a condição de que ela nunca poderia vê-lo. Depois de algum tempo Psique o vê e devido a isso, ele a abandona “correndo” para junto da mãe Afrodite para ser acolhido, cuidado e poupado de viver o desconhecido, de deixar a infantilidade para a masculinidade que é o relacionamento de fato com a mulher.

Em contrapartida, essa pessoa, inconscientemente, se entende como um divino, uma vez que em se fazer filho dá importância para essa mãe. Ele nutre a vaidade dela.

Tomemos como exemplo a relação empresa-empregado. A criança na fase da escolha, na maioria dos casos, lança mão de sua vocação para atender aos desejos e frustrações da família. Vai trabalhar em uma empresa onde tem todo o apoio como um certo destaque, bom salário e benefícios. Sente-se acolhido por essa empresa que atende suas necessidades de sobrevivência e por isso não consegue dar vazão ao que realmente gostaria de produzir. Trabalha muitas horas para continuar provando que é um ser produtivo e que sabe o que quer e está fazendo o que realmente lhe dá prazer. Porém, passa o tempo todo querendo ser reconhecido dentro dessa relação. É como se ao fazer algo para a mãe ele recebesse um “muito bem, meu filho, você é indispensável na minha vida, sem você eu não viveria”. Esse é o momento em que essa criança se sente divina, só ela é capaz de realizar algo de importante para aquela empresa, para aquela mãe.

Esse reconhecimento é o que a criança espera que seus pais lhe dêem e se isso não acontece ela entra na frustração por um desejo não realizado, sem entender que a realização está em atender as suas necessidades de produzir algo genuíno proveniente de sua vocação, de sua habilidade, de seu Eu interior que clama para ser, esse, sim, reconhecido.

“O mundo se origina quando o homem o descobre. E ele o descobre quando sacrifica sua condição de envolvimento na mãe primigênia”, isto é, “pelo estado inicial inconsciente” enquanto “ser primeiro”. (Ivo Storniolo)
Por: Elizabeth Sartori

Baseado nos textos de:
Erich Neumann em História da Origem da Consciência
Carl Gustav Jung em O Desenvolvimento da Personalidade
Paolo Francesco Pieri em Dicionário Junguiano