Depois de muitos
anos com problemas de gastrite e esofagite, resolvi entender melhor o porquê dessas
doenças incomodas. Pensei à princípio sobre se eu tinha sentimentos de raiva e de
onde eles vinham. Comecei a viajar de volta ao meu nascimento e percebi que toda vez que enfrentava uma mudança
eu tinha uma recaída. Ah! Isso fazia sentido já que quando eu me sentia confortavelmente
instalada, a vida me pregava uma peça e pronto! Tinha que enfrentar novas situações.
Até para nascer eu dei trabalho. Fiz minha mãe gritar a noite toda. É, eu não queria
sair do seu ventre quentinho.
Pensei que
pudesse haver outros elementos que eu não conhecia e então, busquei e encontrei
o texto “Emoções de raiva associadas à gastrite e esofagite” e nele pude confirmar
o que já havia entendido e mais um pouco. Acredito que há mais dados para amplificar
esse tema, mas tudo a seu tempo porque as peças que faltam precisam ser polidas
para se encaixar no lugar certo e na hora certa.
Abaixo está
um texto que foi extraído do “Emoções de raiva associadas à gastrite e esofagite”
de Maria Teresa Nappi Moreno e Ceres Alves Araujo [2005]. Boa leitura!
A emoção é
uma reação involuntária oriunda da ativação de um complexo. Darwin [1872]
percebeu que o aumento do fluxo sanguíneo na cabeça é, geralmente, um dos
primeiros sinais de uma emoção.
Não só o
fluxo sanguíneo como todo o sistema biológico e psíquico é envolvido na descarga
de adrenalina (emoção de medo) e, noradrenalina e adrenalina (emoção da raiva).
Essa descarga leva o organismo a se aproximar ou se afastar de um determinado
objeto, com alterações somáticas, como p.ex. o uso e tom da voz em determinadas
situações.
Um
complexo é um aglomerado de associações, um conjunto coeso de sentimentos,
pensamentos, percepções e memórias de carga emocional que existem no
inconsciente, com caráter traumático ou doloroso e altamente acentuado. O
complexo é uma imagem de uma situação psíquica que tem um tom emocional alto e que
é incompatível com as atitudes habituais da consciência. É dotado de tensão ou
energia própria, tendendo a formar uma pequena personalidade. Quando o
indivíduo é acometido por uma doença existe aí um indício de que há um complexo
autônomo que precisa ter seus conteúdos reconhecidos pelo ego.
Segundo (Jung
[1942] 1982, p.15): “Um indivíduo que se encontra com este nível inferior, com
suas emoções descontroladas, encontra-se incapaz de realizar um julgamento
moral”.
A raiva é
uma emoção primária, com conotações morais, porque é cheia de razões.
Acompanhada de um impulso ataca para promover a sensação de ganhar a luta. Aquele
que sente a raiva “significa que algo caiu sobre ele, que o subjugou, que o
demônio está montado nele, que está possesso, ficamos fora de nós, de tanta
raiva, já não somos por um demônio, por um espírito.” ( Jung ([1928] 1984,
p.627)
Para
Viscott (1982), raiva é o sentimento de ser irritado, ofendido, ser posto de
lado, molestado, importunado, de estar enraivecido, de estar “esquentado”. Raiva
e ansiedade também estão ligadas a reações de mágoa e de perda.
Quando o
indivíduo está em “estado de raiva” é porque esta emoção foi segurada ou
suprimida, então ela passa a ser vivenciada subjetivamente variando de
intensidade de indivíduo para indivíduo, que vai desde um leve aborrecimento ou
irritação até a fúria intensa ou cólera, acompanhada geralmente por excitação e
tensão muscular, sendo que sua intensidade varia em função de como a injustiça
ataque ou tratamento injusto pelos outros é percebida. Nesse estado, a raiva
encontra-se mais direcionada para o ego, podendo resultar em culpa e depressão.
Os indivíduos que fazem uso excessivo de negação e repressão, o fazem como uma
forma primária de fazer oposição e evitar a raiva. São os injustiçados pelos
outros, com grande número de frustrações reais ou imaginárias.
Existem
dois tipos de raiva, um é a “raiva para dentro” que são os sentimentos de raiva
guardados, reprimidos ou direcionados para o ego ou para o eu, resultando, às
vezes, em sentimento de culpa e depressão, sendo, muitas vezes sem consciência
do sentimento de raiva em si, e a “raiva para fora” que é expressa por meio de
agressões físicas ou verbais e que tem uma correlação com a ansiedade.
Segundo
Presa (2002), estudos mostram que indivíduos classificados em “raiva para dentro”
apresentam pressão arterial sistêmica mais elevada do que os indivíduos
classificados em “raiva para fora”.
No “estado
de raiva” e na “raiva para dentro”, os indivíduos têm tendência a não
reconhecer os sentimentos e as emoções o que resultam em reações
psicossomáticas, não conseguindo nomear suas emoções, exemplos dessa patologia
são encontrados nos bruxômanos que são acometidos com a ausência de palavras
para nomear suas emoções, nos bulêmicos que não conseguem manter os alimentos,
nas dores de cabeça, obesidade...
Os efeitos
da raiva e do stress
são
semelhantes na redução da imunidade, com declínios dos neutrófilos, e na
percepção da dor.
A raiva é
importante para a psique devido à sua capacidade de impulsionar ou destruir o
movimento da vida para diante. Ela tanto pode possuir o indivíduo, “cegando-o”,
quanto facilitar sua “visão” com uma tomada de consciência da situação. Raiva e
fúria encontram-se relacionadas por meio do processo de transformação psicológica.
A fúria se mostra como uma possessão arquetípica, impedindo que o indivíduo
faça uma reflexão consciente sobre seu significado. Quando o indivíduo se
encontra enfurecido, é como se estivesse “a caminho da guerra”. Sempre
impulsivo, é considerado portador de discórdia.
Há, em
nós, uma profunda força interna que faz com que aprendamos novas habilidades,
desde que a raiva não seja contida, que possa ser canalizada adequadamente.
Segundo
Martin (s.d, p. 6). Hefesto “traz com a fúria suas possibilidades inventivas de
fazer símbolo. Enquanto Ares inflama em atividade exterior, Hefesto queima
internamente, na imaginação”.
(Alexander
[1950] 1989, p.50) divide o trabalho no sistema nervoso central em:
Sistema
nervoso central -> regula as relações com o mundo externo.
Sistema
nervoso autônomo -> controla os processos vegetativos internos. Se diminui,
a pessoa para a ação para o externo, fica dependente. Ex.: Indivíduo foge de
situações de perigo por meio da diarréia, da neurose gástrica. A raiva está
associada a níveis de intensidade alterados (altos e baixos) nos níveis de
adrenalina, noradrenalina e cortisol e reações psicossomáticas, com sintomas
típicos do sistema nervoso autônomo.
O ego não
deve se identificar com um ou com outro polo e sim percebê-los simultaneamente.
A
Depressão é por este símbolo de que a simbologia matriarcal é expressa. Pode
ser notado por alterações da nutrição, com transtornos alimentares, de
disfunções de nosso sistema digestivo e respiratório. Os sentimentos como
temor, ira, raiva também podem ser expressos por meio de gastrite, refluxo,
cólicas abdominais e diarréia em qualquer fase da vida.
Ramos
(1994) aponta que a dificuldade de simbolizar no nível abstrato poderia ser
consequência de uma interrupção pré-matura da relação mãe-bebê.
O estômago
é um local de acolhimento e depósito de tudo que foi engolido. A mucosa
gástrica perde sua função de fronteira interna, de barreira, na gastrite. O
excesso de acidez estomacal atua como sensação de pressão e impedimento à
recepção de novas impressões.
O “traço
de raiva é a disposição do indivíduo para vivenciar a raiva." Segundo
Spielberger (1992), estado de raiva é:
“a
disposição de perceber uma gama diversa de situações como desagradáveis e
frustradoras e a tendência a reagir a tais situações com elevações mais
frequentes no Estado de Raiva. Os indivíduos com um Traço de Raiva muito alto
experenciam o Estado de Raiva mais frequentemente e com maior intensidade do
que os indivíduos com um Traço de Raiva baixo (p. 9)."
Nos
indivíduos com gastrite e esofagite, assim como o alto colesterol o “traço de
raiva” é acima da média. Eles não expressam sua raiva por meio de
comportamentos agressivos, dirigidos a outras pessoas ou objetos. Eles são
incapazes de exteriorizar seu sentimento de raiva por gestos, como bater porta,
atirar coisas, ou por atos físicos diversos, como também não se dirigem às
pessoas por palavrões, sarcasmo, ameaças, críticas ou insultos (raiva para fora).
Parece que
as pessoas com gastrite e esofagite possuem um temperamento explosivo, são,
geralmente, impulsivas, e, independente de haver ou não um fator externo que
pudesse provocar a raiva, elas vivenciam fortes sentimentos de raiva, como se
fossem constantemente agredidas e os homens são mais sensíveis a críticas e avaliações
negativas do que as mulheres, sendo que para as mulheres a raiva não aparece
clara e sim o nervosismo e a ansiedade. Para as mulheres o fato de até bem
pouco tempo não ter o direito de trabalhar fora de casa, de votar, de competir,
a raiva por ser geralmente acompanhada por impulsos violentos, tanto em relação
aos que ofendem, quanto contra quem sente raiva, seria, então, perigoso
vivenciar e expressar essa emoção.
“Na passagem da juventude para a meia-idade, a
pessoa, no processo desejável de desenvolvimento, passa a ter uma maior
preocupação com seu sentido de vida, com valores espirituais, culturais, com o
ser, e não dando mais tanto valor com o ter. Questiona de um modo mais
profundo, sobre sua identidade. A essa fase de mudanças profundas há a
possibilidade de início do processo de individuação, nos termos de Jung.”
Será que
essa frustração e sentimentos de serem injustiçados a maior parte do tempo,
essa autoagressão, a negação dos conflitos para não entrar em contato com seus
significados não estariam relacionados ao sentido da vida e objetivos não
atingidos? Será que nessa passagem o
indivíduo ao rever sua vida, levanta a hipótese, no questionamento da vida,
estaria entrando em contato com sentimento de possibilidades que não se
concretizam, com possíveis fracassos, e tendo dificuldade em lidar com esses
aspectos, aumenta suas fantasias de serem injustiçadas frequentemente?
A dificuldade
de se nutrir também está associada ao fator do indivíduo sentir, p.ex., “dor na
boca do estômago”, sendo dolorosa a entrada do alimento. É como se o que viesse
de fora pudesse ser visto como sendo ruim, não nutridor.
O não
saber lidar com as emoções adequadamente, o engolir tudo indiscriminadamente,
negando a raiva, não permitindo que a agressividade seja adequadamente exercida
na elaboração simbólica, atuada de forma criativa, o não integrar o reprimido
na consciência, pode estar relacionado com o surgimento de sintomas
psicossomáticos, como a gastrite e com a esofagite.
“...essas
ideias suspensas sobre a não entrada com as emoções subjacentes aos conflitos
podem expressar-se facilmente no corpo, frequentemente como problemas de pele,
de estômago e intestino, ou seja, diarréia ou constipação. As pessoas que não
querem deixar algo ir embora podem produzir uma extraordinária constipação.”
(Jung, [1935] 1982, par).
Aspectos
simbólicos da gastrite e da esofagite são nutrir, com a figura materna, e a
fase do matriarcado. Nessa fase do matriarcado há o predomínio do Eros, do
afeto, do toque, da nutrição, da intimidade e da sobrevivência. Nosso corpo
pode expressar o simbolismo dessa fase, do matriarcal por meio do abraçar, do
acariciar e do se nutrir, assim como, se houver uma má elaboração dessa fase,
nosso corpo poderá rejeitar o toque, o nutrir-se, ou alimentar-se em demasia.
Essas
relações irão depender de como foram nossas relações primárias, de como foram
ativados os complexos relativos a cada fase do desenvolvimento. Além disso,
pode-se perceber se houve ou não fixação e estagnação nessa fase primária.
O estômago
pode ser considerado como um símbolo do materno, tendo a função de receber, de
acolher, de conter. Na gastrite o alimento não nutre, machuca. A
auto-agressividade que aparece no excesso de ácidos, “corroendo” a mucosa
gástrica, poderia estar relacionada com as dificuldades de pôr para fora
aspectos agressivos, destrutivos.
A
agressividade é muito importante para a nossa vida e pode ser vista como uma
das funções estruturantes da personalidade. Byinton (2003) mostra que “a
afetividade ensina o Ego a dizer ‘sim’, e a agressão, a dizer ‘não’ (p.82)”.
Se não
houver uma elaboração simbólica, poderá haver uma fixação e estagnação de
energia psíquica em um determinado complexo, impedindo sua transformação e
integração, e sua constante repetição poderá levar à cronicidade, de crônico
(Cronos=tempo). Será necessário resgatar os elementos simbólicos para poderem
ser elaborados criativa e prospectivamente.
O ser
humano parece possuir fantasias agressivas e de retaliação desde seus primeiros
dias de vida, na relação mãe-bebê, na relação eu-outro, na relação
eu-sociedade... Essas primeiras fantasias permeiam a vida do indivíduo em todas
as suas etapas, consciente e inconscientemente. No início da vida, nós não
temos problemas conscientes pessoais. Com a maior aquisição da consciência, com
a dúvida, com o medo do desconhecido, começam nossos problemas, pois, quanto
mais nos tornamos conscientes, mais nos afastamos da nossa natureza, dos nossos
instintos e do nosso inconsciente.
No nosso
amadurecer, há a necessidade de entrarmos em contato com nossos conflitos interiores,
em saber integrar elementos da nossa sombra na nossa consciência, que, geralmente,
é uma parte difícil, que nos faz sofrer. E, nesse momento, as pessoas tendem a fazer
de conta que os conflitos não existem, negando-os, reprimindo-os. Com isso,
eles retornam para o inconsciente, porém não desaparecem.
Esses
conteúdos pertencentes à sombra emergem em um determinado momento, carregados
de energia psíquica. Quando irrompem na nossa personalidade, é como se
apossassem dela, pois neles sempre há uma relação com os complexos e as imagens
arquetípicas por eles constelados. E, nesse momento, eles podem aparecer como
sintomas com manifestação predominantemente psíquicas, ou predominantemente
físicas.
Elizabeth Sartori - Psicanalista
REFERÊNCIAS:
Moreno, Maria Teresa Nappi e Araújo, Ceres Alves [2005]. Emoções
de raiva associadas à gastrite e esofagite.
Alexander, F. (1989). Medicina
psicossomática: princípios e aplicações. In. Porto Alegre: Artes Médicas. (Original de 1950).
Byington, C. A. B. (2003). A construção amorosa do saber. São Paulo: W11.
Darwin, C. (2000). A expressão
das emoções no homem e nos animais. São Paulo: Companhia das Letras. (Original de 1872).
Jung, C. G. (1982). Estudos sobre psicologia
analítica. (Original de 1942). In C. G. Jung (Ed.),
Obras Completas de C.G. Jung. (Vol. 7).
Petrópolis.
Jung, C. G. (1984). A dinâmica do inconsciente
(1928). In C. G. Jung (Ed.), Obras Completas de C.G. Jung.
(Vol. 8). Petrópolis: Vozes.
Presa, L. A. P. (2002). Mensuração
de raiva em motoristas: STAXI.
São Paulo: Vetor.
Martin, S. A. (s.d.). A raiva como transformação interior. São Paulo: CID.
Ramos, D. G. (1994). A psique do corpo: uma compreensão simbólica da doença. São Paulo:
Summus
Spielberger, C. D. (1992). Manual de
Inventário de Expressão e Raiva como Estado e Traço (STAXI).
São Paulo: Vetor.
Viscott, D. S. (1982). A linguagem dos sentimentos. São Paulo: Summus.