sexta-feira, 13 de março de 2015

A raiva e a gastrite e esofagite [2015]


Depois de muitos anos com problemas de gastrite e esofagite, resolvi entender melhor o porquê dessas doenças incomodas. Pensei à princípio sobre se eu tinha sentimentos de raiva e de onde eles vinham. Comecei a viajar de volta ao meu nascimento e  percebi que toda vez que enfrentava uma mudança eu tinha uma recaída. Ah! Isso fazia sentido já que quando eu me sentia confortavelmente instalada, a vida me pregava uma peça e pronto! Tinha que enfrentar novas situações. Até para nascer eu dei trabalho. Fiz minha mãe gritar a noite toda. É, eu não queria sair do seu ventre quentinho.

Pensei que pudesse haver outros elementos que eu não conhecia e então, busquei e encontrei o texto “Emoções de raiva associadas à gastrite e esofagite” e nele pude confirmar o que já havia entendido e mais um pouco. Acredito que há mais dados para amplificar esse tema, mas tudo a seu tempo porque as peças que faltam precisam ser polidas para se encaixar no lugar certo e na hora certa.

Abaixo está um texto que foi extraído do “Emoções de raiva associadas à gastrite e esofagite” de Maria Teresa Nappi Moreno e Ceres Alves Araujo [2005]. Boa leitura!

A emoção é uma reação involuntária oriunda da ativação de um complexo. Darwin [1872] percebeu que o aumento do fluxo sanguíneo na cabeça é, geralmente, um dos primeiros sinais de uma emoção.

Não só o fluxo sanguíneo como todo o sistema biológico e psíquico é envolvido na descarga de adrenalina (emoção de medo) e, noradrenalina e adrenalina (emoção da raiva). Essa descarga leva o organismo a se aproximar ou se afastar de um determinado objeto, com alterações somáticas, como p.ex. o uso e tom da voz em determinadas situações.

Um complexo é um aglomerado de associações, um conjunto coeso de sentimentos, pensamentos, percepções e memórias de carga emocional que existem no inconsciente, com caráter traumático ou doloroso e altamente acentuado. O complexo é uma imagem de uma situação psíquica que tem um tom emocional alto e que é incompatível com as atitudes habituais da consciência. É dotado de tensão ou energia própria, tendendo a formar uma pequena personalidade. Quando o indivíduo é acometido por uma doença existe aí um indício de que há um complexo autônomo que precisa ter seus conteúdos reconhecidos pelo ego.

Segundo (Jung [1942] 1982, p.15): “Um indivíduo que se encontra com este nível inferior, com suas emoções descontroladas, encontra-se incapaz de realizar um julgamento moral”.

A raiva é uma emoção primária, com conotações morais, porque é cheia de razões. Acompanhada de um impulso ataca para promover a sensação de ganhar a luta. Aquele que sente a raiva “significa que algo caiu sobre ele, que o subjugou, que o demônio está montado nele, que está possesso, ficamos fora de nós, de tanta raiva, já não somos por um demônio, por um espírito.” ( Jung ([1928] 1984, p.627)

Para Viscott (1982), raiva é o sentimento de ser irritado, ofendido, ser posto de lado, molestado, importunado, de estar enraivecido, de estar “esquentado”. Raiva e ansiedade também estão ligadas a reações de mágoa e de perda.

Quando o indivíduo está em “estado de raiva” é porque esta emoção foi segurada ou suprimida, então ela passa a ser vivenciada subjetivamente variando de intensidade de indivíduo para indivíduo, que vai desde um leve aborrecimento ou irritação até a fúria intensa ou cólera, acompanhada geralmente por excitação e tensão muscular, sendo que sua intensidade varia em função de como a injustiça ataque ou tratamento injusto pelos outros é percebida. Nesse estado, a raiva encontra-se mais direcionada para o ego, podendo resultar em culpa e depressão. Os indivíduos que fazem uso excessivo de negação e repressão, o fazem como uma forma primária de fazer oposição e evitar a raiva. São os injustiçados pelos outros, com grande número de frustrações reais ou imaginárias.

Existem dois tipos de raiva, um é a “raiva para dentro” que são os sentimentos de raiva guardados, reprimidos ou direcionados para o ego ou para o eu, resultando, às vezes, em sentimento de culpa e depressão, sendo, muitas vezes sem consciência do sentimento de raiva em si, e a “raiva para fora” que é expressa por meio de agressões físicas ou verbais e que tem uma correlação com a ansiedade.

Segundo Presa (2002), estudos mostram que indivíduos classificados em “raiva para dentro” apresentam pressão arterial sistêmica mais elevada do que os indivíduos classificados em “raiva para fora”.

No “estado de raiva” e na “raiva para dentro”, os indivíduos têm tendência a não reconhecer os sentimentos e as emoções o que resultam em reações psicossomáticas, não conseguindo nomear suas emoções, exemplos dessa patologia são encontrados nos bruxômanos que são acometidos com a ausência de palavras para nomear suas emoções, nos bulêmicos que não conseguem manter os alimentos, nas dores de cabeça, obesidade...

Os efeitos da raiva e do stress são semelhantes na redução da imunidade, com declínios dos neutrófilos, e na percepção da dor.

A raiva é importante para a psique devido à sua capacidade de impulsionar ou destruir o movimento da vida para diante. Ela tanto pode possuir o indivíduo, “cegando-o”, quanto facilitar sua “visão” com uma tomada de consciência da situação. Raiva e fúria encontram-se relacionadas por meio do processo de transformação psicológica. A fúria se mostra como uma possessão arquetípica, impedindo que o indivíduo faça uma reflexão consciente sobre seu significado. Quando o indivíduo se encontra enfurecido, é como se estivesse “a caminho da guerra”. Sempre impulsivo, é considerado portador de discórdia.

Há, em nós, uma profunda força interna que faz com que aprendamos novas habilidades, desde que a raiva não seja contida, que possa ser canalizada adequadamente.

Segundo Martin (s.d, p. 6). Hefesto “traz com a fúria suas possibilidades inventivas de fazer símbolo. Enquanto Ares inflama em atividade exterior, Hefesto queima internamente, na imaginação”.

(Alexander [1950] 1989, p.50) divide o trabalho no sistema nervoso central em:
Sistema nervoso central -> regula as relações com o mundo externo.
Sistema nervoso autônomo -> controla os processos vegetativos internos. Se diminui, a pessoa para a ação para o externo, fica dependente. Ex.: Indivíduo foge de situações de perigo por meio da diarréia, da neurose gástrica. A raiva está associada a níveis de intensidade alterados (altos e baixos) nos níveis de adrenalina, noradrenalina e cortisol e reações psicossomáticas, com sintomas típicos do sistema nervoso autônomo.

O ego não deve se identificar com um ou com outro polo e sim percebê-los simultaneamente.

A Depressão é por este símbolo de que a simbologia matriarcal é expressa. Pode ser notado por alterações da nutrição, com transtornos alimentares, de disfunções de nosso sistema digestivo e respiratório. Os sentimentos como temor, ira, raiva também podem ser expressos por meio de gastrite, refluxo, cólicas abdominais e diarréia em qualquer fase da vida.

Ramos (1994) aponta que a dificuldade de simbolizar no nível abstrato poderia ser consequência de uma interrupção pré-matura da relação mãe-bebê.

O estômago é um local de acolhimento e depósito de tudo que foi engolido. A mucosa gástrica perde sua função de fronteira interna, de barreira, na gastrite. O excesso de acidez estomacal atua como sensação de pressão e impedimento à recepção de novas impressões.

O “traço de raiva é a disposição do indivíduo para vivenciar a raiva." Segundo Spielberger (1992), estado de raiva é:
“a disposição de perceber uma gama diversa de situações como desagradáveis e frustradoras e a tendência a reagir a tais situações com elevações mais frequentes no Estado de Raiva. Os indivíduos com um Traço de Raiva muito alto experenciam o Estado de Raiva mais frequentemente e com maior intensidade do que os indivíduos com um Traço de Raiva baixo (p. 9)."

Nos indivíduos com gastrite e esofagite, assim como o alto colesterol o “traço de raiva” é acima da média. Eles não expressam sua raiva por meio de comportamentos agressivos, dirigidos a outras pessoas ou objetos. Eles são incapazes de exteriorizar seu sentimento de raiva por gestos, como bater porta, atirar coisas, ou por atos físicos diversos, como também não se dirigem às pessoas por palavrões, sarcasmo, ameaças, críticas ou insultos (raiva para fora).

Parece que as pessoas com gastrite e esofagite possuem um temperamento explosivo, são, geralmente, impulsivas, e, independente de haver ou não um fator externo que pudesse provocar a raiva, elas vivenciam fortes sentimentos de raiva, como se fossem constantemente agredidas e os homens são mais sensíveis a críticas e avaliações negativas do que as mulheres, sendo que para as mulheres a raiva não aparece clara e sim o nervosismo e a ansiedade. Para as mulheres o fato de até bem pouco tempo não ter o direito de trabalhar fora de casa, de votar, de competir, a raiva por ser geralmente acompanhada por impulsos violentos, tanto em relação aos que ofendem, quanto contra quem sente raiva, seria, então, perigoso vivenciar e expressar essa emoção.

 “Na passagem da juventude para a meia-idade, a pessoa, no processo desejável de desenvolvimento, passa a ter uma maior preocupação com seu sentido de vida, com valores espirituais, culturais, com o ser, e não dando mais tanto valor com o ter. Questiona de um modo mais profundo, sobre sua identidade. A essa fase de mudanças profundas há a possibilidade de início do processo de individuação, nos termos de Jung.”

Será que essa frustração e sentimentos de serem injustiçados a maior parte do tempo, essa autoagressão, a negação dos conflitos para não entrar em contato com seus significados não estariam relacionados ao sentido da vida e objetivos não atingidos?  Será que nessa passagem o indivíduo ao rever sua vida, levanta a hipótese, no questionamento da vida, estaria entrando em contato com sentimento de possibilidades que não se concretizam, com possíveis fracassos, e tendo dificuldade em lidar com esses aspectos, aumenta suas fantasias de serem injustiçadas frequentemente?

A dificuldade de se nutrir também está associada ao fator do indivíduo sentir, p.ex., “dor na boca do estômago”, sendo dolorosa a entrada do alimento. É como se o que viesse de fora pudesse ser visto como sendo ruim, não nutridor.

O não saber lidar com as emoções adequadamente, o engolir tudo indiscriminadamente, negando a raiva, não permitindo que a agressividade seja adequadamente exercida na elaboração simbólica, atuada de forma criativa, o não integrar o reprimido na consciência, pode estar relacionado com o surgimento de sintomas psicossomáticos, como a gastrite e com a esofagite.

“...essas ideias suspensas sobre a não entrada com as emoções subjacentes aos conflitos podem expressar-se facilmente no corpo, frequentemente como problemas de pele, de estômago e intestino, ou seja, diarréia ou constipação. As pessoas que não querem deixar algo ir embora podem produzir uma extraordinária constipação.” (Jung, [1935] 1982, par).

Aspectos simbólicos da gastrite e da esofagite são nutrir, com a figura materna, e a fase do matriarcado. Nessa fase do matriarcado há o predomínio do Eros, do afeto, do toque, da nutrição, da intimidade e da sobrevivência. Nosso corpo pode expressar o simbolismo dessa fase, do matriarcal por meio do abraçar, do acariciar e do se nutrir, assim como, se houver uma má elaboração dessa fase, nosso corpo poderá rejeitar o toque, o nutrir-se, ou alimentar-se em demasia.

Essas relações irão depender de como foram nossas relações primárias, de como foram ativados os complexos relativos a cada fase do desenvolvimento. Além disso, pode-se perceber se houve ou não fixação e estagnação nessa fase primária.

O estômago pode ser considerado como um símbolo do materno, tendo a função de receber, de acolher, de conter. Na gastrite o alimento não nutre, machuca. A auto-agressividade que aparece no excesso de ácidos, “corroendo” a mucosa gástrica, poderia estar relacionada com as dificuldades de pôr para fora aspectos agressivos, destrutivos.

A agressividade é muito importante para a nossa vida e pode ser vista como uma das funções estruturantes da personalidade. Byinton (2003) mostra que “a afetividade ensina o Ego a dizer ‘sim’, e a agressão, a dizer ‘não’ (p.82)”.

Se não houver uma elaboração simbólica, poderá haver uma fixação e estagnação de energia psíquica em um determinado complexo, impedindo sua transformação e integração, e sua constante repetição poderá levar à cronicidade, de crônico (Cronos=tempo). Será necessário resgatar os elementos simbólicos para poderem ser elaborados criativa e prospectivamente.

O ser humano parece possuir fantasias agressivas e de retaliação desde seus primeiros dias de vida, na relação mãe-bebê, na relação eu-outro, na relação eu-sociedade... Essas primeiras fantasias permeiam a vida do indivíduo em todas as suas etapas, consciente e inconscientemente. No início da vida, nós não temos problemas conscientes pessoais. Com a maior aquisição da consciência, com a dúvida, com o medo do desconhecido, começam nossos problemas, pois, quanto mais nos tornamos conscientes, mais nos afastamos da nossa natureza, dos nossos instintos e do nosso inconsciente.

No nosso amadurecer, há a necessidade de entrarmos em contato com nossos conflitos interiores, em saber integrar elementos da nossa sombra na nossa consciência, que, geralmente, é uma parte difícil, que nos faz sofrer. E, nesse momento, as pessoas tendem a fazer de conta que os conflitos não existem, negando-os, reprimindo-os. Com isso, eles retornam para o inconsciente, porém não desaparecem.

Esses conteúdos pertencentes à sombra emergem em um determinado momento, carregados de energia psíquica. Quando irrompem na nossa personalidade, é como se apossassem dela, pois neles sempre há uma relação com os complexos e as imagens arquetípicas por eles constelados. E, nesse momento, eles podem aparecer como sintomas com manifestação predominantemente psíquicas, ou predominantemente físicas.

Elizabeth Sartori - Psicanalista


REFERÊNCIAS:
Moreno, Maria Teresa Nappi e Araújo, Ceres Alves [2005]. Emoções de raiva associadas à gastrite e esofagite.
Alexander, F. (1989). Medicina psicossomática: princípios e aplicações. In. Porto Alegre: Artes Médicas. (Original de 1950).
Byington, C. A. B. (2003). A construção amorosa do saber. São Paulo: W11.
Darwin, C. (2000). A expressão das emoções no homem e nos animais. São Paulo: Companhia das Letras. (Original de 1872).
Jung, C. G. (1982). Estudos sobre psicologia analítica. (Original de 1942). In C. G. Jung (Ed.),
Obras Completas de C.G. Jung. (Vol. 7). Petrópolis.
Jung, C. G. (1984). A dinâmica do inconsciente (1928). In C. G. Jung (Ed.), Obras Completas de C.G. Jung.
(Vol. 8). Petrópolis: Vozes.
Presa, L. A. P. (2002). Mensuração de raiva em motoristas: STAXI. São Paulo: Vetor.
Martin, S. A. (s.d.). A raiva como transformação interior. São Paulo: CID.
Ramos, D. G. (1994). A psique do corpo: uma compreensão simbólica da doença. São Paulo: Summus
Spielberger, C. D. (1992). Manual de Inventário de Expressão e Raiva como Estado e Traço (STAXI).
São Paulo: Vetor.

Viscott, D. S. (1982). A linguagem dos sentimentos. São Paulo: Summus.

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