domingo, 29 de abril de 2012

O CONFRONTO DE OPOSTOS

Nós, na nossa egocentricidade pensamos que confrontamos com o que não nos agrada, mas será que é isso?

O que me parece e que fazemos uso de uma atitude infantil para nos livrarmos da responsabilidade desse confronto.

Tomados pela emoção, ficamos cegos diante de uma situação, gritamos, esbravejamos porque no momento do acontecimento, somos tomados por uma força que parece aniquilar toda a consciência. Quantos de nós já vimos uma criança não atendida em seus desejos? Pois é! Ela não quer saber se você pode ou não atendê-los. Ela simplesmente quer e grita por isso, chora por isso, briga por isso, não é mesmo?

Quando vamos adquirindo consciência já não é mais assim. Se nos comportamos como crianças, nos sentimos mal logo em seguida e nos sentimos culpados pela forma como conduzimos a situação, mesmo assim, entregamos a responsabilidade ao outro como se este fora responsável pela nossa decepção. É um misto de ser responsável pelo que falamos mais a egocentricidade.

Com mais um pouco de consciência e no momento em que a situação está acontecendo, nós vamos nos sentindo mal, agora não mais depois do ocorrido, além desse mal estar já somos capazes de perceber que temos nossa parcela de responsabilidade no confronto.

Acredito que a individuação (ser um indivíduo na sua totalidade) é o momento em que, seguros de si mesmos, dialogamos com os nossos problemas, com as nossas dificuldades, com os nossos dissabores, nos sentimos aptos a reivindicar nossos direitos, respeitando as leis da natureza. Bem, é estarmos com os sentidos atentos e voltados para os mundos interior e exterior.

Tarefa fácil!? Não é uma tarefa fácil. 

Enquanto somos jovens acreditamos no amanhã, vivemos uma ilusão. Aproveitamos do fator tempo acreditando de fato que ele está a nosso favor. A morte!!! Nem pensar!!! Esse é um assunto proibido na primeira metade da vida, é assustador e não tem vez nesse período da vida.

Já na segunda metade da vida, o caminho toma um outro rumo. Começa a preparação para a morte, no entanto, acredito que é nesse período que começamos a viver. Queremos aproveitar cada minuto do dia, mesmo que seja para não fazer nada. O fato de estar consigo mesmo, vivo, produtivo e saudável física e psicologicamente é uma benção.

Há os que ainda não entendem essa forma de pensar e criticam acirradamente, por exemplo,  as pessoas da terceira idade, não sabendo que a experiência de vida que eles tem é o seu maior tesouro e que qualquer pessoa pode ser presenteada com uma jóia dele. É só querer!  

terça-feira, 17 de abril de 2012

A MELHOR DAS ALTERNATIVAS - PACIÊNCIA ALIADA A FÉ


Em meu sonho, havia uma situação em que um homem me dizia:

- Você está fazendo alquimia.


Ao acordar, fiz o que normalmente tenho feito sem nenhuma exceção. No caminho para a empresa, comecei a pensar em várias coisas, pensei no livro que estou lendo, nas situações que eu e meus amigos estão atravessando, no barulho do trânsito, na falta de paciência dos motoristas e então, me dei conta da ansiedade que nos acomete quanto aos nossos desejos.


Passamos a vida querendo, lutando por algum objeto (aqui o objeto como expressão de qualquer coisa como materiais, pessoas, posições, reconhecimentos, felicidade, paz, etc). Insistimos, conseguimos, não conseguimos, nos alegramos, nos desapontamos e tentamos novamente. Cada dia que passa é mais um dia de luta, de satisfações e insatisfações quanto aos resultados daquele dia. Queremos conquistar! E ter para nos sentirmos vitoriosos. É um círculo sem fim. Exauridos e dependendo da intensidade dos desejos e da idade, chegamos até pensar em morte por não agüentar carregar sobre os ombros tantas expectativas. Outros simplesmente desanimam e se lançam para outro desejo e tudo começa novamente.


Aqueles que supostamente conseguem, ficam com uma conta a pagar. A psique parece atender ao desejo dessa pessoa e lhe dá, até algo aparentemente melhor do que havia imaginado, mas em contraposto a pessoa precisará pagar de alguma forma por essa insistência. Se analisarmos situações onde isso aconteceu poderemos perceber que o pagamento começou bem antes do resultado ser alcançado, com uma concentração de libido (energia) na realização do tal desejo e desgaste dessa mesma libido em outras atividades. É por essa razão, acredito que as pessoas ficam cegas diante dos outros objetos que se põem à sua frente, como: saúde, isolamento forçado, relacionamentos, etc.


Refletindo mais um pouco sobre esse tema, pensei na aprendizagem. Se precisássemos ir de um país ao outro nos ocuparíamos da compra de bilhetes de transporte, das acomodações, das refeições, das roupas, sapatos e tantos outros detalhes que deixariam essa lista longa demais, além, é claro de toda uma pesquisa sobre cultura do povo, clima, pontos turísticos. Depois de tudo pronto, chegamos ao país e, não é que faltou alguma coisa!!! Achamos que isso foi ruim e nos prometemos que na próxima será diferente.


Levando essa metáfora para a nossa vida me dei conta que todas as peças precisam se encaixar. Percebo que “correr atrás”, se esvair em ansiedades, se lamentar por não ter conseguido, perder noites de sono, significam que nós não conseguimos aprender a lição da viagem.


Na psique tudo vai se ajustando de acordo com a meta de cada ser. O que, talvez, nos cause aflição é em saber qual a nossa meta, mas quanto a isso nada podemos fazer enquanto não entendermos seus sinais. Não há pressa, só paciência consigo e fé de que a cada tomada de consciência, na chegada ao nosso destino, nos sintamos livres e fortes para lidar com algum sentimento de frustração por termos esquecido algo lá atrás, tendo a coragem de reconhecê-lo tomando como algo a ser refletido e reintegrado à nossa psique.


Segundo o filósofo Kant, “a paciência é amarga, mas seus frutos são doces.” e para Plutarco, “a paciência tem mais poder do que a força”.


Diz-se que Deus escreve certo por linhas tortas, mas não há dúvida que nada ocorre nem se move sem seu consentimento.


Elizabeth Sartori

Psicanalista e Analista Junguiana

domingo, 15 de abril de 2012

A IMPOTÊNCIA DO MASCULINO


Priaprismo, segundo a medicina, é uma condição patológica da ereção prolongada não acompanhada por desejo sexual podendo ocorrer em qualquer idade.

Priaprismo deriva do mito de Príapo, deus dos genitais enormes. A adoração a esse deus deu início em Roma a partir de Augustus e na Grécia após a dominação Macedônica. Ele surge devido à necessidade do homem ganhar consciência de algo que estava cindido ou separado. O mito de Príapo aparece então como símbolo de mudança da cultura para reintegrar parte da masculinidade que havia sido separada da consciência, levando-a a uma expansão, por compensação e tornando-a inflada. Seu aspecto é perigoso para o indivíduo, uma vez que o ego se identificará com o Self que é o centro do inconsciente que equivale a um nivelamento por baixo, em favor da realidade do inconsciente.

“Anexar as camadas mais profundas do Inconsciente, as quais denominei Inconsciente Coletivo, produz um engrandecimento da personalidade que leva ao estado de inflação” Jung

O falo é o instrumento fisiológico da capacidade criadora masculina quando túrgido e “inflado”. Constituiu-se em metáfora de masculinidade e a sua inflação é um processo essencial à dinâmica masculina. Mas a proximidade ambígua dos aspectos túrgido e inflado contribuiu para a facilidade de o homem contemporâneo sucumbir ao seu lado destrutivo.

Phallos é a energia com a qual o homem cria, representando a libido e não o órgão sexual. A relação adequada com o phallos leva ao encontro criativo entre masculino e feminino, ao relacionamento. Separar-se dele (castração), resulta em obstinação pelo seu resgate, em encantamento e em esterilidade. A busca obstinada pelo resgate do phallos infla a importância do objeto procurado levando o indivíduo que não tenha percepção psicológica a confundir o símbolo concreto com o objetivo. Será uma busca sem limites e com resultados negativos.


O MITO

Pausânias acreditava que Príapo era filho de Dionísio e Afrodite, embora Adônis, Hermes e Pã também tenham sido mencionados como possíveis pais, e Quione também como mãe. Por ciúmes, ou por sentir-se ultrajada pela promiscuidade de Afrodite, Hera fez Príapo nascer com genitais enormes. Uma barriga grande e outros exageros também às vezes lhe são acrescentados. A mãe o abandonou e ele foi criado por pastores.

O grande pênis de Príapo é o foco da elaboração psicológica. O seu tamanho significa que se deve levar em conta as implicações do exagero fálico.Príapo nasce do êxtase físico instintivo (Dionísio) e da sexualidade (Afrodite). Considerando que Príapo poderia ser filho de Adônis e Hermes, ele tende a ser o produto de uma masculinidade bela e adolescente, até aparentemente afeminada, como se os genitais enormes compensassem pela masculinidade nascente do pai, com a qual Afrodite ficou fascinada. Hera ao dar-lhe genitais enormes, seria uma tentativa de restituir o equilíbrio aos afetos de Afrodite.

As histórias de Príapo foram associadas ao asno. Na primeira Robert Graves cita o relato de Ovídio, em que Príapo tenta violar Héstia enquanto estava “bêbado “numa festa de camponeses assistida pelos deuses, quando todos caem no sono, após beberem demais: mas o zurrar alto de um asno acorda Héstia, que grita ao ver Príapo prestes a montar sobre ela, o que o faz sair correndo, num terror cômico”.

Por ser abandonado pela sua mãe (Afrodite) Príapo se sente inseguro quanto à domesticidade do lar (Héstia). A modéstia não é de sua natureza e essa é uma das características de Héstia, além da domesticidade. Para Héstia assim como para muitas mulheres nos dias atuais não acham fácil sucumbirem-se de das funções maternas. Príapo, na tentativa de ataque à Héstia, o faz movido pelo ódio da perda, resultado da experiência do abandono que sofrera.

Outra história que é contada por Higino, Príapo envolveu-se numa discussão com um asno dotado de voz humana por Dionísio sobre vantagens sobre o tamanho dos genitais e Príapo levou a pior. Enfurecido Príapo espancou o asno com um bastão até matá-lo.

O asno neste conto lhe é associado. O asno é o espírito do vento do deserto, vento seco/quente, carregado de pó, em algumas regiões; quente/úmido, acompanhado de chuva em outras; e quente/opressivo. Traz consigo os sonhos maus, impulsos assassinos e estupros.

Sua imagem era posta em jardins onde “ele propicia a fecundidade dos campos e rebanhos, a criação de abelhas, o cultivo das vinhas e a pesca”, “ele é fruticultor, e carrega uma faca de poda”, é o podador da pereira”, árvore consagrada à Hera.

Príapo carrega uma faca de poda que simboliza a sua ligação com a castração. As imagens fálicas consagradas à Príapo eram colunas de madeira, árvores. A pereira era consagrada a Hera e era chamada de Ápia, a principal deusa do Peloponeso (grego: Πελοπόννησος; transl.: Pelopónissos é uma península no sul da Grécia). A imagem mais antiga de Hera, enquanto deusa da Morte no Héreo de Micenas era feita de madeira da pereira.

“Outro símbolo materno igualmente comum é o bosque da vida... ou a árvore da vida. Primeiramente a árvore da vida pode ter sido uma árvore genealógica produtora de frutos, conseqüentemente, uma espécie de mãe tribal. Inúmeros mitos dizem que seres humanos nasceram de árvores, e muitos relatam como o herói havia sido aprisionado no tronco de uma árvore materna,... Numerosas divindades femininas eram adoradas sob a forma de árvores, vindo daí o culto de árvores e bosques sagrados. Assim, quando Átis castra-se sob um pinheiro, ele o faz porque a árvore tem um significado materno.” Jung – Símbolos de Transformação parágrafo 321.

Pensando em termos de compensação psíquica, se o indivíduo conceber um falo exagerado terá um contraposto e mesma intensidade para evidenciar o que o inconsciente está pedindo. Somente com insight e com boa vontade o indivíduo ganha consciência de sua atitude psicológica, caso contrário, a inflação será o caminho que o masculino segue para dar sentido a si mesmo.

O que acontece é que o indivíduo quer se sentir inflado e pode recorrer ao poder mágico, p.ex. cartomantes, astrólogos ou outro tipo de magia. Ele não admite a falta de poder. O indivíduo tem a necessidade de manter o poder que é a restauração do inconsciente e por conseqüência o fracasso é inevitável mais cedo ou mais tarde. Essa atitude também acontece quando o indivíduo busca a análise. Ele acredita que ao se submeter a analise voltará a sentir a alegria anterior que fora perdida e que fora baseada na posição egóica inflada sem o conhecimento de que a deflação é que traz o resultado para um encontro com a realidade.

Quando Príapo faz uso da faca de poda, ou seja, quando o indivíduo é humilhado significa que havia uma inflação que é a atuação do inconsciente sobre a consciência. Para alguns a humilhação é a morte espiritual. Para outros, quando o colapso não é total, passam o resto de suas vidas sustentando a velha persona que fica cada vez mais evidente e difícil de manter com o passar dos anos.

Para o indivíduo é difícil aceitar a impotência porque ele acredita ser ela moralmente inaceitável e improvável que aconteça, mas Príapo com sua faca de poda não perdoa e o dilema se torna ainda mais sério. No desespero para se sentir potente, o indivíduo pode partir para excessos sexuais que é uma atitude que revela a necessidade de inflar mais uma vez.

Inflando o falo na tentativa de concentrar tudo de phallos na corporalidade, então é possível entender isso como metáfora para a inflação que acompanha qualquer tipo de excesso; de poder, força, bens, dinheiro, etc. Sacrificar conscientemente os próprios excessos terá um efeito deflacionador e a energia que seria despendida para esses excessos é dirigida para a cultura.

Os antigos depositavam parte de suas colheitas aos pés da coluna do deus Príapo para aplacar esse movimento de inflação e deflação. O sacrifício exigido por Príapo torna-se o sacrifício do excesso material e da persona inflada. O sacrifício da persona conduz à humilhação, e esta não regride, a não ser que se encontre o caminho da satisfação metafórica, psicológica, daquilo que se estava tentando satisfazer concretamente.

O CICLO DA TRANSFORMAÇÃO DO MASCULINO


CISÃO

Mircea Elíade: “Tem-se dito com freqüência que uma das características do mundo moderno é o desaparecimento de qualquer rito de passagem significativo”.

O rito de passagem iniciava o menino no mundo dos adultos e o livrava da dependência materna em direção a uma dependência fálica adulta. Com o desparecimento do rito de passagem os homens permaneceram psicologicamente adolescentes – enquanto phallos torna-se inevitavelmente um complexo independente, mantendo-os perpetuamente numa escravidão inevitável a todos os tipos de exercícios de poder.

A masculinidade dissociada de phallos é levada à inflação, especialmente porque não há mais falo para ser verdadeiramente inflado. Aí a inflação tende a recair sobre o que estiver mais acessível o que, após a cisão, é o ego. Muitos desses indivíduos cindidos em sua potência fálica sentem-se como meninos com medo irracional de serem meninas ou considerados como tal.

Então, considera-se a cisão como a dependência materna da qual o indivíduo, mesmo adulto, não consegue se livrar. Dependência materna aqui não precisa ser tão e somente literal. Dependência materna é a atitude que leva o indivíduo a ter a necessidade de estar acolhido sentimentalmente por outra pessoa ou por um grupo a que pertence. Esse grupo pode ser de amigos, pode ser a empresa onde trabalha, por ser o inconsciente etc.

A cisão de phallos também pode corroer os relacionamentos homem-mulher, pois os deixa sem forças para lidar com os aspectos da mãe devoradora de toda mulher com a qual se envolvem.

A dependência da mãe e do coletivo bloqueia a energia criativa (phallos), pois o indivíduo se identifica ou fixa nos aspectos da masculinidade adolescente. Esse bloqueio pode vir da relação sexualizada da mãe pelo filho ou da fixação em um ideal masculino sobre o qual o indivíduo se agarra.

O ego nesse contexto compensa com fantasias e personas infladas no esforço de firmar-se no mundo. É o indivíduo aceitando passivamente para se adaptar ao coletivo que o cerca, sem o que ele não seria aceito, porém, neste caso raramente suas capacidades são aceitas sobre as quais nem mesmo ele tem noção.

Um indício que de há uma dependência da mãe aparece nos sonhos como bruxas que atuam com violência contra o menino sonhador.

INFLAÇÃO

Perturbado com o feminino em que ele pode se tornar, o indivíduo afasta a conexão psicológica com phallos e fica suscetível à inflação do ego. A inflação não é dolorosa, no entanto, os indivíduos desabam quando não conseguem manter um estado inflado anterior, quer seja pelo fracasso de uma relação, pela perda de um emprego, pelo declínio dos atributos físicos da juventude, ou qualquer outra coisa da qual dependam em excesso pelo seu senso de importância ou de identidade masculina no mundo.

Nos sonhos, o masculino inflado aparece com o sonhador voando, flutuando, se vendo sempre acima da terra.

PODA

Mais cedo ou mais tarde as inflações são vazadas e com conseqüências freqüentemente dolorosas ou catastróficas. É o trabalho de Príapo. Com sua faca de poda ele perfura o “balão inflado” na tentativa do complexo fálico atrair a atenção do ego a fim de conseguir a reintegração.

Como o ego resiste, o complexo vai ao ataque, e a inflação tem que ser enfrentada com violência sem nenhuma consideração com o bem-estar do ego. É o período da deflação.

Nos sonhos aparecem com a nudez em público que sugere uma desidentificação com a persona.

BUSCA

A busca começa imediatamente após a poda e é aí que muitos indivíduos buscam a análise. O trabalho da análise é o de direcionar o anseio de inflar novamente para um sentido mais frutífero o que exige o abandono do desejo pelo estado inflado anterior e a lamentação consciente por sua perda.

A busca fálica em alguns homens se dá na forma sexual, para outros envolve a busca idealizada de u mentor. Muitos buscam o substituto do pai ausente ou falho, ou o emprego ideal, riqueza, poder, etc.

Como a busca no exterior não consegue fazer contato com o phallos cindido dentro da psique, há o fracasso. O que vem em seguida é o abandono desse caminho.

ABANDONO DA BUSCA

Príapo poda, deflaciona, humilha e sai de cena. O indivíduo, a essa altura tem duas alternativas: ou se recomeça outro ciclo de inflação igualmente destinado ao fracasso, ou abandona-se a busca de vez, arcando-se com a humilhação como preço da liberdade. Na humilhação há o medo de ser rejeitado pelo ouro e a impotência de evitá-lo.

O sacrifício ao abandonar a busca é um sacrifício porque exige a renúncia da inflação na qual o indivíduo havia investido partes significantes de sua vida e pelas quais esperava gratificação sob a forma de reconhecimento por parte das pessoas próximas. Desistir de tal expectativa significa o confronto assustador com a possibilidade da rejeição por parte de pessoas muito importantes para ele.

INTERVENÇÃO DIVINA

O abandono da busca fálica permite à pessoa viver desinflada e plenamente presente com os embates do dia a dia. O indivíduo vive como realmente é. É um outro deus vindo em socorro do indivíduo.

O phallos assume o lugar apropriado enquanto parte da psique e não do mundo material – que agora se liberta das amarras da projeção, e pode ser visto tal qual é; e o indivíduo ao experimentar phallos concretamente, no mundo, irá ver phallos em tudo o que rodeia.

TRANSFORMAÇÃO

Viver o mundo sem projeções é viver uma autêntica transformação que se estende literalmente para além de si mesmo; é ver o mundo próximo da realidade. É vivenciar phallos enquanto libido – energia psíquica – com a qual lhe é dado inserir-se neste mundo.

Submissão à psique, atenção aos sonhos, uma profissão baseada na vocação interior, sacrifício voluntário e atitude religiosa parece proteger contra o ciclo inflacionário aonde qualquer análise moderna que chegasse a tudo isso, forçosamente teria que ser considerada um sucesso, mas o ciclo de transformações irá sempre acontecer, o importante é o indivíduo ter a sensibilidade e percepção para reconhecê-lo e refletir sobre ele.

“A história de Príapo sugere que a busca é falsa. Pode-se procurar o quanto quiser pelo que foi perdido que ele nunca será encontrado. Encontrar-se-á apenas inflação, ilusões e humilhação. Príapo poda, mas nunca reconecta. Então a duração da busca é a mesma que a da ilusão de que o seu objeto poderá ser encontrado... Mas o verdadeiro objetivo da procura, se é que assim se pode chamá-lo, é a aceitação do fracasso. A humilhação – que não é um fim em si mesma – é antes, um caminho para a transformação.

Podemos nos sentir envergonhados por todos os tipos de segredos sujos; mas eles não podem ser tidos como humilhantes até serem revelados a outrem, como proclamações ao mundo. Inflação, ou seja, encher de ar as nossas atuações, é desconcretizá-las num processo oposto, e que pode ser visto como defesa fundamental contra a inadequação humilhante da realidade concreta.

O propósito da reintegração de phallos é a conjunctio, a criatividade, a paternidade... O propósito do ciclo de Príapo ... é instigar o masculino a mover-se de sua relação com o feminino enquanto mãe para o feminino enquanto consorte. Só assim poderá haver uma conjunctio que fará nascer o futuro viável de uma civilização.” James Wyly

Escrito por Elizabeth Sartori

Baseado no livro: A BUSCA FÁLICA – Príapo e a inflação masculina – James Wyly

quarta-feira, 4 de abril de 2012

A ÉTICA QUE SE PRETENDE


Para falar em ética precisamos pensar no que a palavra significa.

Ética é o nome geralmente dado ao ramo da filosofia dedicado aos assuntos morais. A palavra "ética" é derivada do grego ἠθικός, e significa aquilo que pertence ao ἦθος, ao caráter.

Diferencia-se da moral, pois, enquanto esta se fundamenta na obediência a normas, tabus, costumes ou mandamentos culturais, hierárquicos ou religiosos recebidos, a ética, ao contrário, busca fundamentar o bom modo de viver pelo pensamento humano.

A ética nasce da necessidade de o indivíduo se sentir melhor e ser adequado para o grupo ao qual elepertence. Para que ele pudesse ser inserido no grupo precisou lançar mão de sua posição enquanto único e aceitar a ordem estabelecida pelo mesmo. Vê-se nessa situação a necessidade de autoconservação ativado pelo perigo do mal. Sem a aceitação do grupo ele é uma criança abandonada. Começa então a luta entre o bem e o mal. Muitos chegam a vias de fanatismo o que na psicologia profunda podemos dizer que existe uma dúvida em igual proporção no inconsciente.

Por outro lado temos os percussores das leis. Esses indivíduos, com sua sensibilidade, foram invadidos pelo inconsciente coletivo, que é a camada profunda da psique que determina a história dos eventos de um grupo para dar ao mesmo novos valores. Eles, que podemos chamar de “proféticos”, são receptíveis aos conteúdos que ainda não foram percebidos pelo coletivo. Porém, há de se atentar para o fato de que se um indivíduo com esta sensibilidade, coloca para o grupo uma nova ordem, que é o que o grupo está pedindo, necessitando, uma vez que “o profeta” não mais consegue do coletivo as respostas e soluções para o seu conflito, ou seja, os valores que o grupo lhe dá são insuficientes na orientação, os valores estão ultrapassados. Há, portanto uma crise de valor.

A ABSOLUTIZAÇÃO DE VALORES
Para um indivíduo se sentir acolhido pelo coletivo, ele aceita os valores e leis desse grupo tornando-lhe uma tarefa de difícil posição, uma vez que é necessário uma supressão e recalque de seus valores individuais.

Na psicologia profunda supressão equivale ao termo persona. Persona é a máscara com a qual o indivíduo se adapta às exigências do coletivo, é uma personalidade aparente. O indivíduo, com uma persona identificada com o coletivo é recompensado com o reconhecimento ético coletivo, porque ela é a expressão do acordo com os valores coletivos.

O recalque equivale ao termo sombra. A sombra permanece geralmente inconsciente. É tudo aquilo que está guardado e que é desaprovável no indivíduo e, portanto, não podendo ser aceito pelo coletivo.

Com a recompensa do coletivo pela identificação do indivíduo com os valores desse coletivo ele se sente como se fora o portador de luz moral e do conhecimento humano levando-o ao que em psicologia profunda dá o nome de inflação do ego. Essa inflação consiste em não tomar conhecimento da sombra, isto é, de sua limitação e corporalidade de criatura. Ele se sente neste estágio como se tivesse um valor suprapessoal. O ego e a consciência do indivíduo são impedidos por uma energia mais forte do que a consciência deixando-o possuído por uma idéia fixa podendo torná-lo em desumano.

A situação psicológica desse indivíduo pode ser representada pelo mito de Ícaro que mostra que o que estava reprimido agora se vinga. “As asas coladas apenas com cera, do ego inflacionado não se mantêm no seu vôo demasiado alto, à força de se derreter sob o sol suprapessoal. A queda no mar, o ser tragado pelo inconsciente, a aniquilação do ego, que se imaginava imortal, é o fim.”

Essa ética que é imposta pelo coletivo coloca o indivíduo num sofrimento consciente por causa da divisão entre a parte suprimida e recalcada, e a parte que quer os valores e é consciente. O sofrimento procura informar ao indivíduo o quanto ele é limitado. É a ética que exige que o indivíduo precise ser nobre, bom, disponível, piedoso, ativo, corajoso, fiel, devoto, racional, etc.

O mesmo acontece com o indivíduo que se identifica com o desvalor, neste caso a psicologia profunda dá o nome de deflação do ego. O indivíduo se vê um pecador, tem um forte sentimento de inferioridade com respeito ao suprapessoal. Ele sente necessidade da graça de Deus para segurar o prato da balança. Predomina o sofrimento por ele ser mau, mau esse que se deve suprimir, então a sua vida adquire um cunho severo, enrijecido e inimigo da vida.

As conseqüências para o coletivo são fatais pela falsa virtude do indivíduo. Aquilo que é supresso desempenha sempre um papel inquietante na consciência. O equivalente da energia do elemento supresso permanece vinculado ao que foi rejeitado e por isso vem a ser causa de inibição, de bloqueio e de mecanismos comportamentais.

Os conteúdos da sombra, sem acesso à consciência, não ficam inalterados no inconsciente, mas vão se transformando, se revigorando negativamente, ativando as reações mais primitivas do ser humano. Todo conteúdo que não pode vir à consciência torna maligno e destrutivo porque sem o acesso à consciência vai se juntando a outros conteúdos primitivos e negativos, podendo o indivíduo ter momentos de raiva ou de depressão. O indivíduo constata a sombra por meio do sentimento de culpa que lhe traz sofrimento mesmo inconsciente. A forma como evitar o contato direto com a sombra normalmente acontece quando o indivíduo a projeta no exterior. Essa projeção é um não reconhecimento da sombra que está em contradição com os valores que não podem ser aceitas como partes negativas da estrutura projetada. Este é o expediente psicológico do bode expiatório que é tão comum na humanidade que é uma tentativa primitiva de solucionar os conflitos inconscientes. O fato de identificar a projeção e elaborar seu conteúdo transforma o elemento psíquico mau em liberdade para o indivíduo solucionando ainda de maneira coletiva e não pessoal.

Eric Neumann: “O homem primitivo – e o homem grupal de qualquer povo reage como homem primitivo -: não consegue reconhecer o mal como “mal pessoal”, uma vez que a consciência ainda se acha pouco desenvolvida para poder enfrentar os conflitos dela resultantes. Por essa razão, o mal é experimentado pelo homem grupal como estranho, sendo as vítimas da projeção da sombra, os estrangeiros.”

Entende-se aqui que qualquer indivíduo, cultura, raça, cor, religião, etc que não se enquadre nos valores da ética de um determinado coletivo são considerados estrangeiros, podem ser da elite ou menos favorecidos. Esse tipo de ética é válida para um determinado grupo e diz respeito às leis morais impostas por uma ideologia cultural do mesmo, como podemos observar no grupo de políticos.

Erich Neumann: “A tendência do menor esforço da massa, que quer manter sua própria posição média, sacrifica os expoentes das margens, assim como também os de mais valor, que ousam se movimentar acima desse nível médio”.

O não reconhecimento da sombra pode também instalar o sadismo, apetite para destruir, agressões, reações paranóicas, tendência à auto-afirmação, medo de perseguição dos outros e do ambiente.

Usando essa ética como meio para fortalecer a cultura e a civilização, os líderes usam da psicologia do bode expiatório, levando o coletivo a fazer uso da agressão para se livrar do estado de tensão em que se encontram, dando início às guerras. Guerra alguma acontece se não houver o bode expiatório.

Não se pode falar de ética e não tiver consciência. Num primeiro momento o ser com seu ego primitivo se insere em um grupo para viver a ética grupal. Qualquer fator ameaçador é ameaçador não ao indivíduo, mas ao grupo. Vivem na participation mystique. O grupo é responsável pelo indivíduo. Em todo grupo tem um indivíduo cuja personalidade é mais forte e que é o líder. Para esse líder da-se o nome de personalidade -mana que é o centro criador, o si-mesmo do grupo. É dele que o grupo recebe seus valores éticos.

Erich Neumann: “A evolução ética procede passando pelos atos de revelação nos grandes indivíduos e pela identificação da elite com eles até o estádio da ética coletiva, em que o grupo assume “o todo” em si e sobre si, sendo sem importância qual seja o conteúdo dessa lei. O coletivo se sujeita finalmente ao cânon ético acriticamente, com a mesma espontaneidade com que o homem inconsciente se depara com qualquer dado. Para uma existência sem consciência crítica, costume é costume e lei é lei, porque afinal sempre foi assim, sendo essa fundamentação apenas a resposta a uma pergunta, que na verdade não é posta pelo primitivo, mas pelo estrangeiro.”

O indivíduo, enquanto pertencente a um grupo e submetido às leis do líder se sente protegido das forças do inconsciente que nele viriam de forma avassaladora, portanto, nessa fase, aquele cuja consciência ainda é primitiva requer um controle do “tu deves” como fase de transição sendo uma das medidas defensivas do consciente contra o inconsciente.

Um outro estádio é o do mágico. Nesse estádio o indivíduo passa a acreditar e a responsabilizar no que vê fora de si. É a projeção. Para ele há uma conspiração contra ele. O outro sempre é o responsável pelas suas venturas e desventuras. O indivíduo não se vê participante da história. Ele é a vítima ou o agraciado por situações exteriores. Exemplo dessas situações é a credibilidade nos ditos profetas e videntes.

Tem-se também a fase da responsabilidade ética individual. Nessa fase o indivíduo assume sua participação no coletivo realizando os valores do mesmo ou se identificando com eles. Qualquer impulso seja ele sexual, poder, crueldade, fome, medo, superstição, etc para o eticamente responsável implica em pecado. O pecado é suprimido levando o indivíduo à luta e ao conflito em que o ego se opõe a essa parte da psique entrando em cena os antagonismos bem e mal. A luta irá continuar até que essa ética dê lugar à ética de um ser individualizado.

A compensação dá sinais de vida quando o indivíduo aceita a ética coletiva suprimindo as tendências naturais ou quando impõe sua voz interna como lei não assumindo nenhuma responsabilidade pelas reações inconscientes do grupo, do coletivo, ele é individualista.

Erich Neumann: “Uma evolução ética progressiva do indivíduo deve levar em conta também à atuação sobre o coletivo que o seu comportamento ético provoca.”

TRANSIÇÃO PARA A NOVA VISÃO DE ÉTICA
O indivíduo após viver a ética do coletivo sente agora a necessidade de rever seu código moral e sua condição de vida que não estão maduros para enfrentar os problemas e que constata que sua orientação é inadequada, seu mundo de valores está abalado pela inconsciência.

Com a ajuda da psicologia profunda o indivíduo descobre e traz à consciência camadas do inconsciente que estavam fora do âmbito das experiências e de seu conhecimento.

O começo do embate dá-se com a assimilação da sombra e a nova elaboração da persona. A assimilação da sombra traz um efeito decepcionante, pois coloca o indivíduo em confronto com os valores, antes adquiridos do coletivo e sua identificação com a persona. Sofrem mais os extrovertidos por conta de sua identificação com o bem e o belo. Quando aceitou a ética do coletivo como sendo o norte para suas atitudes esteve acompanhado do pecado, da culpa e do castigo. O ego neste contexto se percebe como inocente, o indivíduo se vê a vítima das circunstâncias.

Erich Neumann: “O encontro com o “outro lado”, a parte negativa, vem a se realizar em muitos sonhos, em que o interessado se vê indo ao encontro do ego como mendigo e deficiente, forasteiro e mau, louco ou fracassado, humilhado e ofendido, ladrão ou doente.”

Já vivendo esse encontro torna-se de vital importância assumir o lado mau que vem à tona. O indivíduo verá o quanto cruel, agressivo, limitado, preconceituoso, injusto, unilateral, infantil, frustrado, infeliz, etc. está contido em sua personalidade, e nesse momento a inflação do ego cai por terra, abalando toda a sua estrutura, levando o indivíduo à sua imperfeição.

O indivíduo passa por duas orientações básicas, uma é a reação deflacionista, é coletivista. Essa reação desvaloriza o indivíduo e o ego. A outra é a reação inflacionária, é individualista e super valoriza dando maior peso ao indivíduo e ao ego. Ambas são tentativas inconscientes de fugir do problema, comungam em querer ocultar uma nova ética para acalmar os conflitos que molestam o indivíduo.

Uma das respostas ao abalo do velho mundo de valores é considerar um fenômeno secundário como causa para suas ações. Essa visão niilista-negativista tem em si múltiplas formas de deflação de autovalor humano.

Erich Neumann: “Se o mundo dos valores da consciência é uma ilusão, torna-se então impossível uma renovação pela consciência e deve ser abandonada. Introduz-se, pois, uma identificação do ego com os desvalores coletivos em contraste com a identificação do ego com os valores coletivos, típica da velha ética.”

Uma outra resposta, a inflacionária. É monista, caracterizada como pleromático-mística. É pleromático porque considera a plenitude do divino no seu estado pré-mundano em que a divindade ainda não entrou no mundo e é mística, porque só se pode atingir a ligação com o pleroma pela mística ou pela ilusão. Esse indivíduo tenta iludir a problemática do escuro e da sombra no mundo e na humanidade. A pretensão dos movimentos coletivistas é trazer a redenção conquistada. O indivíduo vê-se novamente inserido no coletivo, tirando-lhe a responsabilidade individual. Ele fica redimido do seu isolamento. Assim se dissolve a personalidade e o indivíduo esquece a sombra, que adoece nos braços do espírito.

Erich Neumann: “Quer as reações niilistas, quer as pleromáticas tendem a um monismo onde se tenta abolir o princípio da contrariedade que marca o problema moral, e absolutizar um dos dois pólos. A reação niilista faz do lado espiritual o epifenômeno, ao passo que a concepção pleromática tem o espírito como o existente propriamente dito, sendo o mundo material apenas o seu epifenômeno que facilmente se deixa ver; o mundo torna-se algo que se poderia chamar de erro de perspectiva.”

Uma outra forma de colocar a sombra de lado é conceber a forma behaviorista (Estudo do comportamento, fundado tão-somente na observação e análise das reações visíveis do organismo aos estímulos exteriores e conseqüente rejeição do método introspectivo) ou libertinista e utilitarista. O avestruz pode ser o símbolo desta forma. É o indivíduo que não assume sobre si o mal como problema, deixando que esse mal tome espaço para agir.

Tanto o movimento coletivista (niilista) quanto o pleromático (ilusionista-liberalista) são perigosos para e existência política e social, devido à instabilidade do indivíduo, pois ele foge do problema da sombra. Confundindo com o seu contrário, o indivíduo coletivista é um secreto místico-pleromático, e o pleromático é um secreto niilista. Estes são vítimas fáceis de qualquer infecção contrária. Esses indivíduos dogmaticamente unilaterais convertem-se em inseguros e acreditam falhar em qualquer situação de luta e decisão.

Na tomada de consciência da sombra, o indivíduo passa a ter uma atitude de compreensão com a problemática do outro e, com uma conscientização das forças positivas e negativas o insere no coletivo, agora não mais como aquele que aceitava as leis impostas pelo coletivo e sim com um conhecedor dos efeitos da atitude consciente sobre o inconsciente. Ele reconhece que seu lado sombra é parte e representante do lado sombra do coletivo.

E sonhos ou pela sincronicidade a presença de crueldade, maldade, pobreza, situações miseráveis apresentando-se como mendigos, negros ou feras, anuncia a reconciliação com a sombra em geral, de si e da coletividade, assume com ela toda a parte do coletivo que como sua sombra é “o seu próximo”. Essa reconciliação, esse assumir a sombra resulta em um amadurecimento rumo ao profundo da própria origem. Perdendo a ilusão de um ideal de ego, obtêm-se um novo aprofundamento, enraizamento e firmeza.

Erich Neumann: “Somente a assimilação do lado primitivo da própria natureza conduz a uma forma estável de sentimento de comum pertença e solidariedade e de responsabilidade coletiva. Visto que a Ética total insere também a sombra na responsabilidade, cessa a projeção dessa parte, cessa a psicologia do bode expiatório, cessa a luta, eticamente camuflada, de erradicação do mal, cedendo lugar a uma atitude, onde não mais é determinante a duvidosa imposição de castigo e purificação da velha ética”.

A INTEGRAÇÃO NA ÉTICA QUE SE PRETENDE
Na ética parcial que era ditada pelo coletivo onde prevalecia a divisão, a diferenciação, a separação e a cisão, como, p.ex.: a separação entre os bons e os maus pede para que se estabeleça a união dos contrários numa estrutura unitária. A intensidade da tensão dos contrários unidos faz com que mais forças polares entrem na nova união o que torna mais valiosa a estrutura conseguida.

A meta é produzir a totalidade da personalidade e a globalização. Na psique do indivíduo é formada uma aliança tornando-o responsável para com o coletivo, sejam eles representados pelos primitivos e pré-humanos e também para com os diferenciados e modernos.

A ética que se pretende visa não somente o fato de que o indivíduo seja bom, mas o fato de que seja psicologicamente autônomo, ou seja, produtivo e que não seja psiquicamente infeccioso. Produtivo de valores que é a base de processos criativos ao contrário da influência infecciosa que leva o indivíduo a ponto de coibir sua criatividade. Isso não significa que não há indivíduos inconscientes e criativos, no entanto, esses indivíduos têm em compensação uma inconsciência de si mesmos e agem no automatismo de seu tipo psicológico.

Erich Neumann: “O mal, que age inconscientemente e irradia-se subterraneamente, tem a eficácia perigosa da epidemia, ao passo que o mal feito conscientemente e assumido responsavelmente pelo ego não infecciona o entorno, mas se apresenta ao indivíduo como tarefa e como conteúdo a ser incorporado na vida e na formação da personalidade, assim como também todo outro conteúdo psíquico.”

Tornar-se autônomo significa que a capacidade do ego tem condições de não mais assumir os valores do coletivo em detrimento de seus próprios valores e suas necessidades e assumir as conseqüências de seus próprios atos sejam eles internos ou externos.

O indivíduo dentro de sua cultura e aceitando os valores impostos vive uma vida com sentimento de segurança, mas em se tratando de uma nova cultura o torna inseguro diante da falta de conhecimento desses novos valores. Ele se vê obrigado a aceitar as leis impostas pela nova cultura e então, esse indivíduo vai parar nas mãos das forças primitivas e deuses para a vida ou para a morte, como por exemplo, uma mudança de cidade, de emprego, um divórcio, dificuldades financeiras, nova fase cronológica/biológica da vida, ... Tem-se aí um conflito, como reconhecer que o mal nessa situação é necessário? Pode-se falar aqui da condição psicológica de identificar uma fantasia onde suas conseqüências podem ser tão sérias quanto de uma ação.

Erich Neumann: “Fazer o bem”, como se entendia na velha ética, com a conseqüência repressão do mal e obediência à convenção, é frequentemente nada mais do que uma saída fácil, que evita o perigo e procura a segurança estabelecida. Todavia, “onde há perigo, também cresce o remédio” e a voz da nova ética, ou o que quer que seja, determina-se a aceitar o perigo e o remédio ao mesmo tempo, pois um não pode ser encontrado sem o outro.

Avaliar as concepções de bem e de mal é uma das tarefas mais difíceis do indivíduo. É preciso coragem para enfrentar o mal que emana do seu interior. Isso não significa que se deve reter tudo o que vem do interior, nem tampouco lhe fazer resistência. A psicologia profunda dá bases para que o indivíduo possa assumir a parte que lhe cabe vivendo conscientemente esse negativo e encontrar a coragem moral de querer não ser melhor do que ele é. O indivíduo passa então a ter o dever ético de elaborar suas condutas éticas.

Para o ego infantil a ética do coletivo é suficiente o que não é aceito por aquele cujo ego se tornou mais elevado. No caso do ego infantil, o não cumprimento das leis do coletivo leva a uma punição. Esse indivíduo fica tolhido por leis reprimindo assim o entendimento do seu lado natural. A psicologia profunda não leva em consideração a punição, mas sim a incapacidade pessoal psicológica e biológica, pois o indivíduo pode não ter recursos psíquicos para a integração.

Erich Neumann: O reconhecimento do próprio mal é bom. Ser bom demais, isto é, sempre sabendo também da responsabilidade, e ao qual não foge, é eticamente bom. A repressão do mal, sempre acompanhada por auto-supravalorização inflacionística, é má, ainda quando parte de uma “boa intenção” ou de uma “boa vontade”.

Não é o ego que possui a última decisão. Essa decisão vem de todo um movimento do interior do indivíduo. Lidar conscientemente com o mal está em contraste com o que Freud chamou de sublimação. A sublimação vale como um truque pelo qual o mal é “desnaturado” e orientado para uma finalidade da cultura. O indivíduo reprime e suprime uma atitude em benefício de uma atitude cultural. Ex.: Um indivíduo que reprime a sexualidade pode ser um indivíduo cheio de amor para com o próximo.

Um outro ponto a ser colocado é o si-mesmo enquanto direcionador e orientador de toda a estrutura psíquica. É o centro de onde emanam todas as energias que movimentam a psique do indivíduo assim como todos organismos de um corpo movimentam o indivíduo fisicamente. Terra é um símbolo do corpo, portanto quando há a fuga da terra tem-se a fuga do corpo. Considerando que os processos psíquicos têm também ao menos correlatos físicos e que a totalidade do corpo opera inconscientemente como fenômeno da natureza, a situação humana caracteriza-se pelo fato de que no psíquico desenvolveu-se historicamente a tensão contrária de consciente-inconsciente e levou a uma separação de opostos. Essa separação de opostos é em si necessária para a evolução da consciência desde que não haja exagero. Como o indivíduo se perdeu no centro ele busca o desenvolvimento da totalidade para se tornar equilibrado e forte para contrapor às tendências dissolventes do mundo e do inconsciente. A relação desse processo com a ética está no fato de que a tendência para o equilíbrio da personalidade é de extraordinária importância.

Os valores coletivos, num primeiro momento, têm o papel positivo de proteger o indivíduo e o coletivo de uma caída na impulsividade emocional inconsciente. É uma relativa encarnação de si-mesmo válida para esta fase de desenvolvimento onde - Erich Neumann: “...o medo social, a lei com o seu princípio de recompensa e castigo e o sentimento de culpa para com o superego cultural, constitui vivência moral primária para o ego infantil do homem primitivo”. Vê-se aqui o arquétipo do pai como símbolo, não o pai físico, mas o representado pela ação do coletivo, embora as projeções recaiam sobre o pai pessoal.

O que contrapõe essa ordem imposta pelo coletivo (arquétipo do pai) é a voz interna como uma revelação do novo que se tem a desenvolver, daquilo que deve vir. Ao colocar o si-mesmo no lugar do superego do coletivo o indivíduo tem o ganho de uma nova autonomia ética por parte da personalidade exigindo um processo de duradouro autoquestionamento e autocontrole.

Não mais o ego tomando a frente como aquele que tem o controle da situação e sim o ego apoiando-se na compensação psíquica que diz que os conteúdos que faltam na consciência e necessários surgem revigorados no inconsciente. O indivíduo recebe do inconsciente, através de sonhos, impulsos, fantasias, atos falhos ou perturbações os conteúdos sobre os quais há de reagir para adquirir uma reta orientação do si-mesmo.

Erich Neumann: “... Assim o processo de integração, com sua observância da compensação e sua orientação pelo si-mesmo e pela totalidade, leva a uma estrutura da personalidade que não mais pode ser dissolvida pela luta dos opostos e a preponderância de um ou de outro lado.” e “A via média tem com ela em comum a autonomia ética e com isso um pouco da independência do mundo, além de vários outros traços particulares,...trata-se na via média de um “ser no mundo” revigorado e aprofundado, que possibilita a centralização no si-mesmo e a inserção dos elementos inconscientes na estrutura da personalidade. O processo da assimilação das partes inconscientes da personalidade deixa pouco espaço para a sublimação.”


CARL GUSTAV JUNG: “MAS A PERSONALIDADE NÃO SE DEIXA APANHAR PELO PÂNICO DOS QUE ACORDAM, POIS JÁ DEIXOU PARA TRÁS O ESPANTO E O MEDO. ELA ESTÁ MADURA PARA ENFRENTAR A MUDANÇA DO TEMPO, POIS É LÍDER SEM SABER E SEM QUERER.”

Elizabeth Sartori – Analista Junguiana e Psicanalista Integrativa
Texto baseado no livro Psicologia Profunda e Nova Ética de Erich Neumann