quarta-feira, 4 de abril de 2012

A ÉTICA QUE SE PRETENDE


Para falar em ética precisamos pensar no que a palavra significa.

Ética é o nome geralmente dado ao ramo da filosofia dedicado aos assuntos morais. A palavra "ética" é derivada do grego ἠθικός, e significa aquilo que pertence ao ἦθος, ao caráter.

Diferencia-se da moral, pois, enquanto esta se fundamenta na obediência a normas, tabus, costumes ou mandamentos culturais, hierárquicos ou religiosos recebidos, a ética, ao contrário, busca fundamentar o bom modo de viver pelo pensamento humano.

A ética nasce da necessidade de o indivíduo se sentir melhor e ser adequado para o grupo ao qual elepertence. Para que ele pudesse ser inserido no grupo precisou lançar mão de sua posição enquanto único e aceitar a ordem estabelecida pelo mesmo. Vê-se nessa situação a necessidade de autoconservação ativado pelo perigo do mal. Sem a aceitação do grupo ele é uma criança abandonada. Começa então a luta entre o bem e o mal. Muitos chegam a vias de fanatismo o que na psicologia profunda podemos dizer que existe uma dúvida em igual proporção no inconsciente.

Por outro lado temos os percussores das leis. Esses indivíduos, com sua sensibilidade, foram invadidos pelo inconsciente coletivo, que é a camada profunda da psique que determina a história dos eventos de um grupo para dar ao mesmo novos valores. Eles, que podemos chamar de “proféticos”, são receptíveis aos conteúdos que ainda não foram percebidos pelo coletivo. Porém, há de se atentar para o fato de que se um indivíduo com esta sensibilidade, coloca para o grupo uma nova ordem, que é o que o grupo está pedindo, necessitando, uma vez que “o profeta” não mais consegue do coletivo as respostas e soluções para o seu conflito, ou seja, os valores que o grupo lhe dá são insuficientes na orientação, os valores estão ultrapassados. Há, portanto uma crise de valor.

A ABSOLUTIZAÇÃO DE VALORES
Para um indivíduo se sentir acolhido pelo coletivo, ele aceita os valores e leis desse grupo tornando-lhe uma tarefa de difícil posição, uma vez que é necessário uma supressão e recalque de seus valores individuais.

Na psicologia profunda supressão equivale ao termo persona. Persona é a máscara com a qual o indivíduo se adapta às exigências do coletivo, é uma personalidade aparente. O indivíduo, com uma persona identificada com o coletivo é recompensado com o reconhecimento ético coletivo, porque ela é a expressão do acordo com os valores coletivos.

O recalque equivale ao termo sombra. A sombra permanece geralmente inconsciente. É tudo aquilo que está guardado e que é desaprovável no indivíduo e, portanto, não podendo ser aceito pelo coletivo.

Com a recompensa do coletivo pela identificação do indivíduo com os valores desse coletivo ele se sente como se fora o portador de luz moral e do conhecimento humano levando-o ao que em psicologia profunda dá o nome de inflação do ego. Essa inflação consiste em não tomar conhecimento da sombra, isto é, de sua limitação e corporalidade de criatura. Ele se sente neste estágio como se tivesse um valor suprapessoal. O ego e a consciência do indivíduo são impedidos por uma energia mais forte do que a consciência deixando-o possuído por uma idéia fixa podendo torná-lo em desumano.

A situação psicológica desse indivíduo pode ser representada pelo mito de Ícaro que mostra que o que estava reprimido agora se vinga. “As asas coladas apenas com cera, do ego inflacionado não se mantêm no seu vôo demasiado alto, à força de se derreter sob o sol suprapessoal. A queda no mar, o ser tragado pelo inconsciente, a aniquilação do ego, que se imaginava imortal, é o fim.”

Essa ética que é imposta pelo coletivo coloca o indivíduo num sofrimento consciente por causa da divisão entre a parte suprimida e recalcada, e a parte que quer os valores e é consciente. O sofrimento procura informar ao indivíduo o quanto ele é limitado. É a ética que exige que o indivíduo precise ser nobre, bom, disponível, piedoso, ativo, corajoso, fiel, devoto, racional, etc.

O mesmo acontece com o indivíduo que se identifica com o desvalor, neste caso a psicologia profunda dá o nome de deflação do ego. O indivíduo se vê um pecador, tem um forte sentimento de inferioridade com respeito ao suprapessoal. Ele sente necessidade da graça de Deus para segurar o prato da balança. Predomina o sofrimento por ele ser mau, mau esse que se deve suprimir, então a sua vida adquire um cunho severo, enrijecido e inimigo da vida.

As conseqüências para o coletivo são fatais pela falsa virtude do indivíduo. Aquilo que é supresso desempenha sempre um papel inquietante na consciência. O equivalente da energia do elemento supresso permanece vinculado ao que foi rejeitado e por isso vem a ser causa de inibição, de bloqueio e de mecanismos comportamentais.

Os conteúdos da sombra, sem acesso à consciência, não ficam inalterados no inconsciente, mas vão se transformando, se revigorando negativamente, ativando as reações mais primitivas do ser humano. Todo conteúdo que não pode vir à consciência torna maligno e destrutivo porque sem o acesso à consciência vai se juntando a outros conteúdos primitivos e negativos, podendo o indivíduo ter momentos de raiva ou de depressão. O indivíduo constata a sombra por meio do sentimento de culpa que lhe traz sofrimento mesmo inconsciente. A forma como evitar o contato direto com a sombra normalmente acontece quando o indivíduo a projeta no exterior. Essa projeção é um não reconhecimento da sombra que está em contradição com os valores que não podem ser aceitas como partes negativas da estrutura projetada. Este é o expediente psicológico do bode expiatório que é tão comum na humanidade que é uma tentativa primitiva de solucionar os conflitos inconscientes. O fato de identificar a projeção e elaborar seu conteúdo transforma o elemento psíquico mau em liberdade para o indivíduo solucionando ainda de maneira coletiva e não pessoal.

Eric Neumann: “O homem primitivo – e o homem grupal de qualquer povo reage como homem primitivo -: não consegue reconhecer o mal como “mal pessoal”, uma vez que a consciência ainda se acha pouco desenvolvida para poder enfrentar os conflitos dela resultantes. Por essa razão, o mal é experimentado pelo homem grupal como estranho, sendo as vítimas da projeção da sombra, os estrangeiros.”

Entende-se aqui que qualquer indivíduo, cultura, raça, cor, religião, etc que não se enquadre nos valores da ética de um determinado coletivo são considerados estrangeiros, podem ser da elite ou menos favorecidos. Esse tipo de ética é válida para um determinado grupo e diz respeito às leis morais impostas por uma ideologia cultural do mesmo, como podemos observar no grupo de políticos.

Erich Neumann: “A tendência do menor esforço da massa, que quer manter sua própria posição média, sacrifica os expoentes das margens, assim como também os de mais valor, que ousam se movimentar acima desse nível médio”.

O não reconhecimento da sombra pode também instalar o sadismo, apetite para destruir, agressões, reações paranóicas, tendência à auto-afirmação, medo de perseguição dos outros e do ambiente.

Usando essa ética como meio para fortalecer a cultura e a civilização, os líderes usam da psicologia do bode expiatório, levando o coletivo a fazer uso da agressão para se livrar do estado de tensão em que se encontram, dando início às guerras. Guerra alguma acontece se não houver o bode expiatório.

Não se pode falar de ética e não tiver consciência. Num primeiro momento o ser com seu ego primitivo se insere em um grupo para viver a ética grupal. Qualquer fator ameaçador é ameaçador não ao indivíduo, mas ao grupo. Vivem na participation mystique. O grupo é responsável pelo indivíduo. Em todo grupo tem um indivíduo cuja personalidade é mais forte e que é o líder. Para esse líder da-se o nome de personalidade -mana que é o centro criador, o si-mesmo do grupo. É dele que o grupo recebe seus valores éticos.

Erich Neumann: “A evolução ética procede passando pelos atos de revelação nos grandes indivíduos e pela identificação da elite com eles até o estádio da ética coletiva, em que o grupo assume “o todo” em si e sobre si, sendo sem importância qual seja o conteúdo dessa lei. O coletivo se sujeita finalmente ao cânon ético acriticamente, com a mesma espontaneidade com que o homem inconsciente se depara com qualquer dado. Para uma existência sem consciência crítica, costume é costume e lei é lei, porque afinal sempre foi assim, sendo essa fundamentação apenas a resposta a uma pergunta, que na verdade não é posta pelo primitivo, mas pelo estrangeiro.”

O indivíduo, enquanto pertencente a um grupo e submetido às leis do líder se sente protegido das forças do inconsciente que nele viriam de forma avassaladora, portanto, nessa fase, aquele cuja consciência ainda é primitiva requer um controle do “tu deves” como fase de transição sendo uma das medidas defensivas do consciente contra o inconsciente.

Um outro estádio é o do mágico. Nesse estádio o indivíduo passa a acreditar e a responsabilizar no que vê fora de si. É a projeção. Para ele há uma conspiração contra ele. O outro sempre é o responsável pelas suas venturas e desventuras. O indivíduo não se vê participante da história. Ele é a vítima ou o agraciado por situações exteriores. Exemplo dessas situações é a credibilidade nos ditos profetas e videntes.

Tem-se também a fase da responsabilidade ética individual. Nessa fase o indivíduo assume sua participação no coletivo realizando os valores do mesmo ou se identificando com eles. Qualquer impulso seja ele sexual, poder, crueldade, fome, medo, superstição, etc para o eticamente responsável implica em pecado. O pecado é suprimido levando o indivíduo à luta e ao conflito em que o ego se opõe a essa parte da psique entrando em cena os antagonismos bem e mal. A luta irá continuar até que essa ética dê lugar à ética de um ser individualizado.

A compensação dá sinais de vida quando o indivíduo aceita a ética coletiva suprimindo as tendências naturais ou quando impõe sua voz interna como lei não assumindo nenhuma responsabilidade pelas reações inconscientes do grupo, do coletivo, ele é individualista.

Erich Neumann: “Uma evolução ética progressiva do indivíduo deve levar em conta também à atuação sobre o coletivo que o seu comportamento ético provoca.”

TRANSIÇÃO PARA A NOVA VISÃO DE ÉTICA
O indivíduo após viver a ética do coletivo sente agora a necessidade de rever seu código moral e sua condição de vida que não estão maduros para enfrentar os problemas e que constata que sua orientação é inadequada, seu mundo de valores está abalado pela inconsciência.

Com a ajuda da psicologia profunda o indivíduo descobre e traz à consciência camadas do inconsciente que estavam fora do âmbito das experiências e de seu conhecimento.

O começo do embate dá-se com a assimilação da sombra e a nova elaboração da persona. A assimilação da sombra traz um efeito decepcionante, pois coloca o indivíduo em confronto com os valores, antes adquiridos do coletivo e sua identificação com a persona. Sofrem mais os extrovertidos por conta de sua identificação com o bem e o belo. Quando aceitou a ética do coletivo como sendo o norte para suas atitudes esteve acompanhado do pecado, da culpa e do castigo. O ego neste contexto se percebe como inocente, o indivíduo se vê a vítima das circunstâncias.

Erich Neumann: “O encontro com o “outro lado”, a parte negativa, vem a se realizar em muitos sonhos, em que o interessado se vê indo ao encontro do ego como mendigo e deficiente, forasteiro e mau, louco ou fracassado, humilhado e ofendido, ladrão ou doente.”

Já vivendo esse encontro torna-se de vital importância assumir o lado mau que vem à tona. O indivíduo verá o quanto cruel, agressivo, limitado, preconceituoso, injusto, unilateral, infantil, frustrado, infeliz, etc. está contido em sua personalidade, e nesse momento a inflação do ego cai por terra, abalando toda a sua estrutura, levando o indivíduo à sua imperfeição.

O indivíduo passa por duas orientações básicas, uma é a reação deflacionista, é coletivista. Essa reação desvaloriza o indivíduo e o ego. A outra é a reação inflacionária, é individualista e super valoriza dando maior peso ao indivíduo e ao ego. Ambas são tentativas inconscientes de fugir do problema, comungam em querer ocultar uma nova ética para acalmar os conflitos que molestam o indivíduo.

Uma das respostas ao abalo do velho mundo de valores é considerar um fenômeno secundário como causa para suas ações. Essa visão niilista-negativista tem em si múltiplas formas de deflação de autovalor humano.

Erich Neumann: “Se o mundo dos valores da consciência é uma ilusão, torna-se então impossível uma renovação pela consciência e deve ser abandonada. Introduz-se, pois, uma identificação do ego com os desvalores coletivos em contraste com a identificação do ego com os valores coletivos, típica da velha ética.”

Uma outra resposta, a inflacionária. É monista, caracterizada como pleromático-mística. É pleromático porque considera a plenitude do divino no seu estado pré-mundano em que a divindade ainda não entrou no mundo e é mística, porque só se pode atingir a ligação com o pleroma pela mística ou pela ilusão. Esse indivíduo tenta iludir a problemática do escuro e da sombra no mundo e na humanidade. A pretensão dos movimentos coletivistas é trazer a redenção conquistada. O indivíduo vê-se novamente inserido no coletivo, tirando-lhe a responsabilidade individual. Ele fica redimido do seu isolamento. Assim se dissolve a personalidade e o indivíduo esquece a sombra, que adoece nos braços do espírito.

Erich Neumann: “Quer as reações niilistas, quer as pleromáticas tendem a um monismo onde se tenta abolir o princípio da contrariedade que marca o problema moral, e absolutizar um dos dois pólos. A reação niilista faz do lado espiritual o epifenômeno, ao passo que a concepção pleromática tem o espírito como o existente propriamente dito, sendo o mundo material apenas o seu epifenômeno que facilmente se deixa ver; o mundo torna-se algo que se poderia chamar de erro de perspectiva.”

Uma outra forma de colocar a sombra de lado é conceber a forma behaviorista (Estudo do comportamento, fundado tão-somente na observação e análise das reações visíveis do organismo aos estímulos exteriores e conseqüente rejeição do método introspectivo) ou libertinista e utilitarista. O avestruz pode ser o símbolo desta forma. É o indivíduo que não assume sobre si o mal como problema, deixando que esse mal tome espaço para agir.

Tanto o movimento coletivista (niilista) quanto o pleromático (ilusionista-liberalista) são perigosos para e existência política e social, devido à instabilidade do indivíduo, pois ele foge do problema da sombra. Confundindo com o seu contrário, o indivíduo coletivista é um secreto místico-pleromático, e o pleromático é um secreto niilista. Estes são vítimas fáceis de qualquer infecção contrária. Esses indivíduos dogmaticamente unilaterais convertem-se em inseguros e acreditam falhar em qualquer situação de luta e decisão.

Na tomada de consciência da sombra, o indivíduo passa a ter uma atitude de compreensão com a problemática do outro e, com uma conscientização das forças positivas e negativas o insere no coletivo, agora não mais como aquele que aceitava as leis impostas pelo coletivo e sim com um conhecedor dos efeitos da atitude consciente sobre o inconsciente. Ele reconhece que seu lado sombra é parte e representante do lado sombra do coletivo.

E sonhos ou pela sincronicidade a presença de crueldade, maldade, pobreza, situações miseráveis apresentando-se como mendigos, negros ou feras, anuncia a reconciliação com a sombra em geral, de si e da coletividade, assume com ela toda a parte do coletivo que como sua sombra é “o seu próximo”. Essa reconciliação, esse assumir a sombra resulta em um amadurecimento rumo ao profundo da própria origem. Perdendo a ilusão de um ideal de ego, obtêm-se um novo aprofundamento, enraizamento e firmeza.

Erich Neumann: “Somente a assimilação do lado primitivo da própria natureza conduz a uma forma estável de sentimento de comum pertença e solidariedade e de responsabilidade coletiva. Visto que a Ética total insere também a sombra na responsabilidade, cessa a projeção dessa parte, cessa a psicologia do bode expiatório, cessa a luta, eticamente camuflada, de erradicação do mal, cedendo lugar a uma atitude, onde não mais é determinante a duvidosa imposição de castigo e purificação da velha ética”.

A INTEGRAÇÃO NA ÉTICA QUE SE PRETENDE
Na ética parcial que era ditada pelo coletivo onde prevalecia a divisão, a diferenciação, a separação e a cisão, como, p.ex.: a separação entre os bons e os maus pede para que se estabeleça a união dos contrários numa estrutura unitária. A intensidade da tensão dos contrários unidos faz com que mais forças polares entrem na nova união o que torna mais valiosa a estrutura conseguida.

A meta é produzir a totalidade da personalidade e a globalização. Na psique do indivíduo é formada uma aliança tornando-o responsável para com o coletivo, sejam eles representados pelos primitivos e pré-humanos e também para com os diferenciados e modernos.

A ética que se pretende visa não somente o fato de que o indivíduo seja bom, mas o fato de que seja psicologicamente autônomo, ou seja, produtivo e que não seja psiquicamente infeccioso. Produtivo de valores que é a base de processos criativos ao contrário da influência infecciosa que leva o indivíduo a ponto de coibir sua criatividade. Isso não significa que não há indivíduos inconscientes e criativos, no entanto, esses indivíduos têm em compensação uma inconsciência de si mesmos e agem no automatismo de seu tipo psicológico.

Erich Neumann: “O mal, que age inconscientemente e irradia-se subterraneamente, tem a eficácia perigosa da epidemia, ao passo que o mal feito conscientemente e assumido responsavelmente pelo ego não infecciona o entorno, mas se apresenta ao indivíduo como tarefa e como conteúdo a ser incorporado na vida e na formação da personalidade, assim como também todo outro conteúdo psíquico.”

Tornar-se autônomo significa que a capacidade do ego tem condições de não mais assumir os valores do coletivo em detrimento de seus próprios valores e suas necessidades e assumir as conseqüências de seus próprios atos sejam eles internos ou externos.

O indivíduo dentro de sua cultura e aceitando os valores impostos vive uma vida com sentimento de segurança, mas em se tratando de uma nova cultura o torna inseguro diante da falta de conhecimento desses novos valores. Ele se vê obrigado a aceitar as leis impostas pela nova cultura e então, esse indivíduo vai parar nas mãos das forças primitivas e deuses para a vida ou para a morte, como por exemplo, uma mudança de cidade, de emprego, um divórcio, dificuldades financeiras, nova fase cronológica/biológica da vida, ... Tem-se aí um conflito, como reconhecer que o mal nessa situação é necessário? Pode-se falar aqui da condição psicológica de identificar uma fantasia onde suas conseqüências podem ser tão sérias quanto de uma ação.

Erich Neumann: “Fazer o bem”, como se entendia na velha ética, com a conseqüência repressão do mal e obediência à convenção, é frequentemente nada mais do que uma saída fácil, que evita o perigo e procura a segurança estabelecida. Todavia, “onde há perigo, também cresce o remédio” e a voz da nova ética, ou o que quer que seja, determina-se a aceitar o perigo e o remédio ao mesmo tempo, pois um não pode ser encontrado sem o outro.

Avaliar as concepções de bem e de mal é uma das tarefas mais difíceis do indivíduo. É preciso coragem para enfrentar o mal que emana do seu interior. Isso não significa que se deve reter tudo o que vem do interior, nem tampouco lhe fazer resistência. A psicologia profunda dá bases para que o indivíduo possa assumir a parte que lhe cabe vivendo conscientemente esse negativo e encontrar a coragem moral de querer não ser melhor do que ele é. O indivíduo passa então a ter o dever ético de elaborar suas condutas éticas.

Para o ego infantil a ética do coletivo é suficiente o que não é aceito por aquele cujo ego se tornou mais elevado. No caso do ego infantil, o não cumprimento das leis do coletivo leva a uma punição. Esse indivíduo fica tolhido por leis reprimindo assim o entendimento do seu lado natural. A psicologia profunda não leva em consideração a punição, mas sim a incapacidade pessoal psicológica e biológica, pois o indivíduo pode não ter recursos psíquicos para a integração.

Erich Neumann: O reconhecimento do próprio mal é bom. Ser bom demais, isto é, sempre sabendo também da responsabilidade, e ao qual não foge, é eticamente bom. A repressão do mal, sempre acompanhada por auto-supravalorização inflacionística, é má, ainda quando parte de uma “boa intenção” ou de uma “boa vontade”.

Não é o ego que possui a última decisão. Essa decisão vem de todo um movimento do interior do indivíduo. Lidar conscientemente com o mal está em contraste com o que Freud chamou de sublimação. A sublimação vale como um truque pelo qual o mal é “desnaturado” e orientado para uma finalidade da cultura. O indivíduo reprime e suprime uma atitude em benefício de uma atitude cultural. Ex.: Um indivíduo que reprime a sexualidade pode ser um indivíduo cheio de amor para com o próximo.

Um outro ponto a ser colocado é o si-mesmo enquanto direcionador e orientador de toda a estrutura psíquica. É o centro de onde emanam todas as energias que movimentam a psique do indivíduo assim como todos organismos de um corpo movimentam o indivíduo fisicamente. Terra é um símbolo do corpo, portanto quando há a fuga da terra tem-se a fuga do corpo. Considerando que os processos psíquicos têm também ao menos correlatos físicos e que a totalidade do corpo opera inconscientemente como fenômeno da natureza, a situação humana caracteriza-se pelo fato de que no psíquico desenvolveu-se historicamente a tensão contrária de consciente-inconsciente e levou a uma separação de opostos. Essa separação de opostos é em si necessária para a evolução da consciência desde que não haja exagero. Como o indivíduo se perdeu no centro ele busca o desenvolvimento da totalidade para se tornar equilibrado e forte para contrapor às tendências dissolventes do mundo e do inconsciente. A relação desse processo com a ética está no fato de que a tendência para o equilíbrio da personalidade é de extraordinária importância.

Os valores coletivos, num primeiro momento, têm o papel positivo de proteger o indivíduo e o coletivo de uma caída na impulsividade emocional inconsciente. É uma relativa encarnação de si-mesmo válida para esta fase de desenvolvimento onde - Erich Neumann: “...o medo social, a lei com o seu princípio de recompensa e castigo e o sentimento de culpa para com o superego cultural, constitui vivência moral primária para o ego infantil do homem primitivo”. Vê-se aqui o arquétipo do pai como símbolo, não o pai físico, mas o representado pela ação do coletivo, embora as projeções recaiam sobre o pai pessoal.

O que contrapõe essa ordem imposta pelo coletivo (arquétipo do pai) é a voz interna como uma revelação do novo que se tem a desenvolver, daquilo que deve vir. Ao colocar o si-mesmo no lugar do superego do coletivo o indivíduo tem o ganho de uma nova autonomia ética por parte da personalidade exigindo um processo de duradouro autoquestionamento e autocontrole.

Não mais o ego tomando a frente como aquele que tem o controle da situação e sim o ego apoiando-se na compensação psíquica que diz que os conteúdos que faltam na consciência e necessários surgem revigorados no inconsciente. O indivíduo recebe do inconsciente, através de sonhos, impulsos, fantasias, atos falhos ou perturbações os conteúdos sobre os quais há de reagir para adquirir uma reta orientação do si-mesmo.

Erich Neumann: “... Assim o processo de integração, com sua observância da compensação e sua orientação pelo si-mesmo e pela totalidade, leva a uma estrutura da personalidade que não mais pode ser dissolvida pela luta dos opostos e a preponderância de um ou de outro lado.” e “A via média tem com ela em comum a autonomia ética e com isso um pouco da independência do mundo, além de vários outros traços particulares,...trata-se na via média de um “ser no mundo” revigorado e aprofundado, que possibilita a centralização no si-mesmo e a inserção dos elementos inconscientes na estrutura da personalidade. O processo da assimilação das partes inconscientes da personalidade deixa pouco espaço para a sublimação.”


CARL GUSTAV JUNG: “MAS A PERSONALIDADE NÃO SE DEIXA APANHAR PELO PÂNICO DOS QUE ACORDAM, POIS JÁ DEIXOU PARA TRÁS O ESPANTO E O MEDO. ELA ESTÁ MADURA PARA ENFRENTAR A MUDANÇA DO TEMPO, POIS É LÍDER SEM SABER E SEM QUERER.”

Elizabeth Sartori – Analista Junguiana e Psicanalista Integrativa
Texto baseado no livro Psicologia Profunda e Nova Ética de Erich Neumann

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