... Qual o
sentido de sua existência? Na Grécia Antiga garotos eram educados para que, até
seus 15 anos, fossem capazes não apenas de responder a essa pergunta, mas
também de apresentar uma sustentação oral que defendesse sua resposta diante de
uma banca de notáveis do calibre, por exemplo, de Sócrates, Platão ou
Aristóteles. Nada mal para um bando de garotos analfabetos!
Sim, pois de
acordo com esse sistema educacional, chamado Paideia, habilidades tais como
leitura, escrita e até mesmo a nobre matemática era consideradas secundárias;
mera teknè, diriam os antigos. O objetivo da Paideia era moldar o caráter. “As
letras virão com o tempo”, dizia Sócrates.
Ser capaz de
responder qual o sentido da sua existência nunca foi uma tarefa simples. Nem
mesmo na Grécia Antiga1 e é por isso que os gregos se dedicavam tanto à
capacitação de seus jovens no sentido de torná-los homens-excelência, ou seja,
homens de caráter.
Contudo, o
próprio conceito de caráter ia além da simples prática das virtudes. Tinha a
ver com a realização das potencialidades individuais ou, para ser mais precisa,
com o cumprimento do sentido da existência de cada indivíduo. Esse era o
conceito arcaico de sucesso, que em muito difere da visão distorcida que hoje
perseguimos. Em outras palavras, podemos dizer que todo o sistema educacional
da Grécia Antiga buscava o ser, ao passo que, hoje, nossa Educação valoriza o
ter.
É por isso
que, atualmente, consideramos o sucesso como sendo o resultado de um processo,
o que acaba por justificar nosso comportamento insano de sacrificar toda uma
vida em prol, por exemplo, da construção de um patrimônio. Alheios ao fato de
que o amanhã não nos pertence, seguimos, rumo a um futuro que, pretensamente,
nos fará felizes.
O problema é
que, enquanto isso, vamos nos distanciando da nossa essência a tal ponto que a
própria Paideia chega a nos parecer ficção: “Como um homem poderiam aos 15
anos, saber qual o sentido da sua existência?, perguntamos a nós mesmos,
maravilhados e indignados ao mesmo tempo.
Mas o
distanciamento da nossa essência nos cobra um preço alto. Tão alto quanto
costumava cobrar na Grécia Antiga, é verdade. A diferença é que os antigos
sabiam disso, enquanto que nós no acostumamos com uma insatisfação crônica, uma
espécie de infelicidade latente, que faz com que muitos cheguem a duvidar da
própria existência de felicidades. Isso sem falar numa infinidade de males
físicos e sem causas aparentes que acometem boa parte da clientela dos atuais
planos de saúde.
Para os gregos,
esses males seriam facilmente associados ao distanciamento do indivíduo em
relação à sua essência, o que faria com que os sábios de Epidauro, por exemplo,
imediatamente recomendassem o recolhimento e a conexão com seu “eu interior”
para qualquer “enfermo” que os procurasse. Isso significa que, para os gregos,
havia uma verdade interior que acompanhava o indivíduo e exigia dele sua
autorealização. Como vemos, o problema sempre esteve na conexão.
Acredito que
hoje, embalados por um ritmo de vida alucinante, agravamos nosso problema de
conexão com nosso eu interior. Sócrates dizia que o homem desconhecido de si
mesmo é um bárbaro. A partir dessa visão, vivemos hoje na barbárie. Quantas
pessoas dedicam um esforço consciente para se conhecerem melhor? Quantos de nós
são capazes de responder prontamente acerca do sentido de sua existência?
Perguntas
como essas deveriam encabeçar nossa lista de prioridades. Ao invés disso, nossa
listam provavelmente, está tomada por itens que envolvem o ter. Quando foi que
começamos a nos distanciar de nós mesmos? Daquilo que mais importa?
Para
compreender a amplitude do que estou dizendo, faça a si mesmo a seguinte
pergunta: Com eu seria hoje se tivesse me dedicado ao autoconhecimento metade
do que me dediquei ao trabalho e às minhas conquistas profissionais?
Isso me faz
lembrar de uma frase de Nietzsche que dizia que “quem tem por que viver pode
suportar quase qualquer como”. Nesse sentido, se engana quem acredita que a
pressão da vida moderna nos está adoecendo. A doença da modernidade é a anomia,
ou seja, a falta de sentido. Talvez fossemos mais resilientes se soubéssemos
qual é a nossa “causa”. Infelizmente, passamos a acreditar que somente os heróis
lutam por uma causa. Com isso, nos acostumamos a uma vida sem sentido e nos
esquecemos de que podemos ser heróis, ainda que isso nos custe a felicidade e
até mesmo a saúde.
...saber o
sentido da sua existência é, mais do que um caminho para a felicidade, uma garantia
de que sua vida não terá sido em vão.
Lilian
Graziano
Psicóloga e doutora em Psicologia pela USP, com curso de extensão em
Virtudes e Forças Pessoais pelo VIA Institute on Character, EUA. É professora
universitária e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento.