No meio da noite os mortos, parados em pé contra a parede, bradaram:
Queremos ver Deus. Onde está? Morreu?
Deus não morreu. Agora, como sempre, vive. Deus é criatura, coisa definida e, portanto, distinta do pleroma. Deus é qualidade do pleroma e tudo o que eu disse da criatura também se aplica a ele.
Distingue-se, porém, dos seres criados no sentido de que é mais indefinido e indeterminável do que eles. É menos diferenciável que os seres criados, pois a base de sua existência é a plenitude efetiva. Só na medida em que for definido e distinto é criatura e na mesma proporção é manifestação da plenitude do pleroma.
Tudo o que não distinguimos mergulha no pleroma e se anula pela antinomia. Se, portanto, não distinguimos Deus, a plenitude efetiva se extingue para nós.
Além disso, Deus é o próprio pleroma, da mesma maneira que cada ponto ínfimo no criado e no incriado é o próprio pleroma.
O vácuo efetivo é a natureza do Diabo. Deus e o Diabo são as primeiras manifestações do nada, que chamamos de pleroma. É indiferente que o pleroma exista ou não, uma vez que em tudo é contrabalançado e nulo. A criatura já não é assim. Na medida em que Deus e o Diabo são criaturas, não se anulam e sim erguem-se um contra o outro, como antônimos efetivos. Não precisamos de provas de sua existência. Basta que sempre se esteja falando neles. Ainda que ambos não existissem, a criatura, por causa de sua individualidade essencial, sempre os distinguiria de novo no pleroma.
Tudo o que a discriminação distingue no pleroma é antinomia. Deus, portanto, sempre corresponde ao Diabo.
Essa inseparabilidade é tão íntima e, como a vossa própria vida vos fez ver, tão indissolúvel quanto o próprio pleroma. Assim é que os dois se mantêm muito próximos do pleroma, no qual todos os antônimos se anulam e se fundem.
Deus e o Diabo se distinguem pelas qualidades de plenitude e vácuo, criação e destruição. A EFETIVIDADE é comum a ambos. A efetividade os une. Paira, portanto, sobre ambos, é um deus acima de Deus, já que em seu efeito reúne a plenitude e o vácuo.
Esse é um deus que não conheceis, pois a humanidade o esqueceu. Nós o chamamos pelo seu nome, ABRAXAS. É ainda mais indefinível que Deus e o Diabo.
O deus que se pode distinguir, nós o chamamos de deus HELIOS, ou Sol. Abraxas é efeito. Nada se antepõe a ele que não seja inefetivo, daí que a sua natureza efetiva se desdobre livremente. O inefetivo não existe, portanto não resiste. Abraxas paira acima do Sol e acima do Diabo. É a probabilidade improvável, a realidade irreal. Tivesse o pleroma um ser, Abraxas seria a sua manifestação. É o próprio efetivo, não algum efeito especial, mas o efeito em geral.
É a realidade irreal porque não tem efeito definido.
É também criatura, por ser diferente do pleroma.
O Sol tem um efeito definido e o mesmo acontece com o Diabo. Por isso nos parecem mais efetivos que o indefinido Abraxas.
É força, duração, mudança.
Os mortos então provocaram grande tumulto, pois eram cristãos.
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