domingo, 11 de março de 2012

(NADA, PLENITUDE, VÁCUO) 1º SERMÃO AOS MORTOS

Os mortos voltaram de Jerusalém, onde não encontraram o que procuravam. Pediram-me guarida e imploraram que lhes falasse. Assim comecei a ensinar.

Prestai atenção: começo pelo nada. O nada equivale à plenitude. No infinito, o pleno não é melhor que o vácuo. O nada é, ao mesmo tempo, vácuo e plenitude. Dele se pode dizer tudo o que se quiser; por exemplo: que é branco, ou preto, ou então que existe, ou não. Uma coisa infinita e eterna não possui qualidades, pois tem todas as qualidades.

A esse nada ou plenitude dá-se o nome de PLEROMA. Nesse particular cessam o pensar e o ser, já que o eterno e infinto não possui qualidades. Nele nenhum ser é, porque senão se diferenciaria do pleroma e possuiria qualidades que o distinguiriam como algo inconfundível.

No pleroma não existe nada e tudo existe. É absolutamente inútil pensar no pleroma, pois redundaria em autodissolução.

A CRIATURA não está no pleroma, mas em si mesma. O pleroma é, simultaneamente, o começo e o fim dos seres criados. Impregna-os, como a luz impregna o ar em todo lugar. Apesar de impregnado por completo, nenhum ser criado retém parte do pleroma, assim como o corpo inteiramente translúcido não se torna claro nem escuro com a luz que o impregna. Somos, porém, o próprio pleroma, pois integramos o eterno infinito. Mas não retemos nenhuma parte sua, por estarmos infinitamente afastados, não em forma espiritual ou temporal, e sim essencial, pois nos diferenciamos dele por nossa essência de criatura, confinada no tempo e no espaço.

No entanto, por dele fazermos parte, o pleroma também está em nós. Até mesmo no seu grau mais ínfimo não tem fim, é eterno, e inteiro, pois pequeno e grande são qualidades nele contidas. É aquele nada que se acha completo e contínuo em todo lugar. Só no sentido figurado, portanto, me refiro ao ser criado como parte do pleroma. Porque, na realidade, o pleroma não se divide em nenhum lugar, uma vez que equivale ao nada. Também somos o pleroma inteiro, porque, no sentido figurado, o pleroma é o menor ponto (apenas suposto, não existente) em nós e no firmamento ilimitado que os rodeia. Mas por que, falamos afinal no peroma, já que é assim, tudo ou nada?

Falo nele para partir de algum começo e também para tirar-vos a ilusão de que em algum lugar, seja fora ou dentro, existe algo determinado, ou de qualquer forma estabelecido, desde o início. Toda coisa que se diz determinada e certa é apenas relativa. Só é determinado e certo o que for possível de ser modificado.

O que é modificável, porém, é a criatura. Por conseguinte, é a única coisa que está determinada e certa; porque tem qualidades: inclusive é a própria qualidade.

Impõe-se a pergunta: como se originou a criatura? Os seres criados perecem, a criatura não; pois o ser criado é a própria qualidade do pleroma, tanto quanto a não-criação, que equivale à morte eterna. Em todos os tempos e lugares existe a criação, em todos os tempos e lugares existe a morte. O pleroma tudo possui, individualmente e não-individualmente.

A individualidade equivale à criatura. É única. Constitui a essência da criatura e, portanto, a diferencia. Por conseguinte, o homem discrimina porque a individualidade faz parte de sua natureza. Daí também por que se distinguem no pleroma qualidades que não existem. Distinguem-nas por causa de sua própria natureza. Há pois que falar de qualidades do pleroma que não existem.

Qual a utilidade, direis, de falar nisso? Não foste tu mesmo que disseste que não adianta pensar no pleroma?

Isso eu vos disse, para tirar-vos a ilusão de que podemos pensar nele. Quando distinguimos qualidades no pleroma, falamos tomando por base a nossa própria individualidade e a respeito dessa mesma individualidade. Mas nada dissemos a respeito do pleroma. A respeito de nossa própria individualidade, porém, é preciso falar, para podermos distinguir suficientemente a nós mesmos. A nossa própria natureza é individualidade. Se não formos fiéis a essa natureza, não nos distinguiremos suficientemente bem. Temos, portanto, que fazer distinções de qualidades.

Qual o prejuízo, perguntareis, em não se distinguir a si mesmo? Se não nos distinguirmos, ultrapassando a nossa própria natureza, nos afastamos da criatura. Caímos na falta de individualidade, que é a outra qualidade do pleroma. Caímos no próprio pleroma e deixamos de ser criaturas. Nos entregamos à dissolução no nada. O que resulta na morte da criatura. Morremos, portanto, na medida em que não nos disinguimos. Daí o empenho natural da criatura para adquirir individualidade, para lutar contra a igualdade inicial, perigosa. A isso dá-se o nome de PRINCIPIUM INDIVIDUATIONIS. Esse princípio é a essência da criatura. Com isso podeis ver por que a falta de indivualidade e a não-distinção constituem grande risco para a criatura.

Devemos, pois, distinguir as qualidades do pleroma. Essas qualidades são ANTÔNIMAS, como, por exemplo:
O Efetivo e o Inefetivo.
Plenitude e Vácuo.
Vivos e Mortos.
Diferença e Igualdade.
Luz e Trevas.
O Quente e o Frio.
Força e Matéria.
Tempo e Espaço.
O Bem e o Mal.
Beleza e Fealdade.
O Uno e o Múltiplo etc.

As antônimas são qualidades do pleroma que não existem, pois uma contrabalança a outra. Como constituímos o próprio pleroma, também possuímos todas essas qualidades em nós. Por ser a própria base de nossa natureza a individualidade, possuímos, portanto, essas qualidades em nome e sinal da individualidade, o que quer dizer que:

1. Essas qualidades são distintas e separadas uma das outras em nós; por conseguinte, não são contrabalançadas e nulas, e sim efetivas. Somos assim vítimas dessa antinomia. O pleroma está dividido em nós.

2. As qualidades pertencem ao pleroma e só em nome e sinal da individualidade podemos e devemos possuí-las ou vivê-las. Temos que nos disinguir das qualidades. No pleroma estão contrabalançadas e nulas; em nós não. Sermos distintos delas liberta-nos.

Quando nos empenhamos no bem ou no belo, esquecemos consequentemente a nossa própria natureza, que é a individualidade, e nos entregamos às qualidades do pleroma, que são antônimas. Lutamos para conseguir o bem e o belo, mas ao mesmo tempo também ficamos com o mal e o feio, que no pleroma são inseparáveis do bem e do mal. Quando, porém, permanecemos fiéis à nossa própria natureza, que é a individualidade, nos distinguimos do bem e do belo e, portanto, ao mesmo tempo, do mal e do feio. E assim não mergulhamos no pleroma, ou seja, no nada e na dissolução.

Tu dizes, contraporeis, que a diferença e a igualdade também são qualidades do pleroma. Como seria, então, se nos empenhássemos na diferença? Agindo assim, não estamos sendo fiéis à nossa natureza? E, apesar disso, não devemos nos entregar à igualdade quando nos empenhamos na diferença?

Não deveis esquecer que o pleroma carece de qualidades.Somos nós que as criamos pelo raciocínio. Se, porém, vos empenhardes na diferença ou na igualdade, ou em qualquer outra espécie de qualidade, estareis imersos em raciocínios inspirados pelo pleroma; ou seja: raciocínios a respeito de qualidades inexistentes do pleroma. Na proporção em que vos lançardes a esses raciocínios, tornareis a cair no pleroma, atingindo ao mesmo tempo a diferença e a igualdade. Não é vosso raciocínio e sim o vosso ser que constitui a individualidade. Por conseguinte, ao contrário do que supondes, não é a diferença que deveis vos empenhar, mas no VOSSO PRÓPRIO SER. No fundo, pois, existe apenas um empenho, ou seja, o empenho no vosso próprio ser. Se tiverdes esse empenho, não precisareis saber nada a respeito do pleroma e suas qualidades e ainda assim atingireis a meta almejada em virtude de vosso próprio ser. Como,porém, o raciocínio se aparta do ser, devo ensinarvos esse conhecimento, por meio do qual podereis refrear vossos ensamentos.

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