terça-feira, 13 de março de 2012

(DOIS DIABOS, O ARDENTE E O CRESCENTE) 4º SERMÃO AOS MORTOS

Os mortos encheram de murmúros o recinto e disseram:
Fala-nos dos deuses e dos diabos, maldito!

O Deus-Sol é o bem supremo; o Diabo, o oposto. Assim, tendes dois deuses. Mas há dois deuses-diabos; um, o ARDENTE, o outro, o CRESCENTE.
O ardente é EROS, que tem forma de chama. A chama dá luz porque se consome.
O crescente é a ÁRVORE DA VIDA. Germina e ao crescer se acumula de coisas vivas.
Eros se inflama e morre. Mas a árvore da vida cresce lenta e constantemente, por tempo incomensurável.
O Bem e Mal estão unidos na chama.
O Bem e o Mal estão unidos no crescimento da árvore. Em suas divindades, a vida e o amor se opõem.
Inumerável como a hoste de estrelas é o número de deuses e diabos.
Cada estrela é um deus e cada espaço que ocupa, um diabo. Mas a plenitude-vácuo do todo é o pleroma.
A manifestação do todo é Abraxas, a quem só o inefetivo se opõe.
Quatro é o número das medidas do mundo.
O primeiro é o começo, o Deus-Sol.
O segundo, Eros, une os extremos e se expande em luz.
O terceiro, a Árvore da Vida, ocupa o espaço com formas corpóreas.
O quarto é o Diabo, que abre tudo o que se encontra fechado; desfaz tudo o que se constitui de natureza corpórea; é o destruidor em que tudo é reduzido a nada.
Para mim, a quem foi dado o conhecimento da multiplicidade e diversidade dos deuses, está bem. Mas ai de vós, que substituís esses múltiplos incompatíveis por um deus único. Pois, assim fazendo, gerais o tormento que se origina na falta de compreensão e mutilais a criatura cuja natureza se vos esforçais para transformar o múltiplo em uno? O que fizerdes com os deuses será feito convosco. Ficais todos iguais e assim frustrais vossa natureza.
A igualdade prevalecerá, não para Deus, mas apenas em benefício do homem. Pois muitos são os deuses, ao passo que poucos os homens. Os deuses são poderosos e podem arcar com a sua multiplicidade. Pois, como as estrelas, permanecem solitárias, separados por distâncias imensas. Mas os homens são fracos e não podem arcar com sua natureza múltipla. Por isso moram juntos e precisam de comunhão para poder suportar o isolamento. Por amor a redenção, ensino-vos a verdade rejeitada, por cujo amor sofri rejeição.
A multiplicidade dos deuses corresponde à multiplicidade do homem.
Inúmeros deuses guardam a condição humana. Inúmeros foram homens. O homem partilha da natureza dos deuses. Vem dos deuses e vai para deus.
Assim como de nada serve refletir sobre o pleroma, não adianta venerar a multiplicidade dos deuses. E menos ainda venerar o primeiro deus, a abundância efetiva e o summum bonum. Nada podemos acrescentar-lhe com nossa oração, e dele nada podemos tirar; porque o vácuo efetivo tudo absorve.
Os deuses brilhantes formam o mundo celeste, que é múltiplo, e infinitivamente disperso e crescente. O Deus-Sol é o senhor supremo deste mundo.
Os deuses escuros formam o mundo terrestre. São simples, e infinitivamente decrescentes e minguantes. O Diabo é o mais abjeto senhor desse mundo, o espírito-lunar, satélite terrestre, menor, mais frio e mais morto que a terra.
Não há diferença entre o poder dos deuses celestes e o dos terrestres. Os celestes aumentam, os terrestres diminuem. Incomensurável é o movimento de ambos.

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