segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Discurso, fórmula matemática

Lacan chama o sentido da vida de Lei, metáfora paterna, Nome do Pai (que dá consistência). Ele faz uso do Banquete de Platão para entender a relação Sócrates (analista) e Alcebíades (analisando) ou se preferir, amado e amante.

“O sujeito do desejo se apresenta quando o sujeito do significante passa a se relacionar com uma falta de saber. Em outras palavras, com um pequeno furo na sua regularidade. Já em relação ao sujeito do gozo a relação é com uma significação a mais. O sujeito do desejo se encontra na relação com uma falta de sentido, enquanto o sujeito do gozo se encontra na relação com o sentido, que não deixa nada de fora, com o um a mais.” Lacan

Real contem tudo que é verbalizado e não é visto por ninguém porque não existe uma posição para discursar sobre o verbalizado, pois passamos por perto e não nos sensibilizamos. O real é um sistema de percepção da realidade no qual se tem a necessidade de discursar. Exemplo disso é a vida do animal, ele vive no real, no vazio, levando muito tempo para se transformar porque está disposto a uma lei parametrizada pelas regras de cada espécie e o instinto determina as ações. Nota-se que um animal não ataca se não se sentir ameaçado, pois, existe uma lei do ecossistema que regula esse instinto.

A cadeia de significantes (atos falhos, cistes, apelos, sonhos) de um dia, por exemplo, é ditada imagem por imagem, segundo por segundo. Para se conhecer um indivíduo podemos fazê-lo por amostragem, ou seja, um período da vida dele, como acontecimentos do dia anterior, suas motivações e, assim, teremos uma leitura, como quando um médico pergunta ao paciente quais a dores, o incômodo, desde quando. Ele faz uma investigação de imagem a imagem para estabelecer um diagnóstico e isso produz uma capacidade discursiva do paciente que dará o perfil da dor.

Um indivíduo pode, em uma conversa, perder o contato de atenção com a exposição, no entanto, ele não sabe dizer no que estava pensando. Pode ser que no momento em que o interlocutor apresentava um exemplo de cachorro que late, pula, é agressivo, etc.... qualquer dessas palavras o tenha levado a um desconforto e por isso se abstraiu da explicação porque uma das palavras encontrou um buraco na estrutura psíquica, onde não tem um discurso que daria um significado.

Quando há capacidade discursiva mais ampla o indivíduo tem mais recursos para achar soluções, porque irá significar as imagens com os recursos que tem. Se houver um excedente agressivo, então a resposta será agressividade, porém se pegar a sequência subjetiva do outro, não será necessariamente a sua sequência, a resposta terá falta de objetividade, mas possibilitará uma “super-visão”.

Ex.: Nas guerras de Roma, um dia um general subiu à uma colina e viu seu exército lutando de todas as maneiras possíveis e inimagináveis, sem nenhuma estratégia. Naquele momento ele percebeu que deveria montar estratégias e assim o fez. O exército romano que já era invencível, ficou imbatível por mais 1.500 anos conquistando vários povos. Hoje é comum um líder “subir na colina” para ter uma “super-visão”.

O desejo de “ser” não é um desejo de “ser em si” porque existe uma ordem de desenvolvimento na psique que se molda na linguagem e as lacunas, os lapsos de linguagem são aqueles que dão um limite na compreensão do indivíduo. Essa falha na linguagem interfere na compreensão de algo lá na frente.

Ex.:  Um homem que esteve com 10 mulheres cita outro que esteve com 40, achando, então, que teve poucas mulheres. Ele tem buracos na compreensão, desde fritar um ovo até comprar algo e essas mulheres que faltam substituem a linguagem da angústia, mostrando que há um excedente libidinal que produz uma resposta fora de controle, porém há a necessidade de ser traduzido para produzir cultura. Em não ter um discurso, a ação provém do instinto e ele precisa ser esgotado com um discurso sistemático. O psicopata é aquele que não tem discurso, é aquele que não manifesta seus sentimentos, ele não tem discurso.  Podemos entender que todo excesso é falta de discurso onde há um excedente libidinal que produz uma resposta instintiva fora de controle (agressividade, sexualidade, poder.)

.___.___.___.___.  = cadeia de significantes que compõe a lei
.___.___.   x   .___. = cadeia de significantes com instinto que precisa do embate, onde “x” é o instinto, a lacuna. O indivíduo que vejo irá receber as expectativas da lacuna que tenho. É preciso decifrar o instinto.

Lacan afirma que não se pode definir o significante sem o gozo(intensidade de energia cujo limite ainda não se instaurou) , e que não se pode definir o gozo sem o significante (atos falhos, cistes, apelos, sonhos) . Portanto, traz uma nova definição de significante que se refere ao corpo. Essa referência se faz sob a modalidade do sintoma. O sintoma inclui o desejo e o gozo. Trata-se de restabelecer, a partir do Seminário 20, uma noção que não separe o sujeito da substância gozante. Há um real (tudo aquilo que não tem a obrigação de ser nomeado) no sintoma que deve ser incluído no seu conceito. A noção de sujeito do desejo não comportaria o gozo irredutível a essa noção de sujeito do significante.

Para a mãe que tem buracos na sua estrutura psíquica, fruto de uma educação com lacuna, o filho recebe as expectativas desse buraco. Ex.: A mãe não estudou. O filho precisa estudar. Ela quer algo dele que cabe dentro de sua significação e o filho não tem espaço para ir além disto. Ele é o sujeito barrado de si mesmo porque está impedido de saber quem ele é, porque é o discurso da lacuna dos pais, com a sensação de abandono, de estar sozinho, e em não se sentindo o sujeito que determina as ações, é o objeto cuja ação já está determinada.

Tânia Cristina B. Cabral em seu Livro “Os quatro discursos de Lacan e o teorema fundamental do cálculo” discorre sobre as formulas matemáticas utilizadas por Lacan para identificar a estruturação da linguagem, como segue:

 “O sujeito do desejo é aquele que questiona os efeitos do significante, localiza-se como sujeito barrado de gozo, e sujeito diante da impossibilidade de uma última significação. Nesse ponto do ensino de Lacan, o sujeito do desejo se encontra numa posição radical ao nível da privação do objeto, já que há uma confluência entre o objeto a e o falo. Por conseguinte, o sujeito é um objeto negativo (-φ), é falta-a-ser.” Lacan

Segundo Lacan, quando fala, o sujeito se submete a um processo complexo em que se imbricam simultaneamente o imaginário, o simbólico e o real.
O conceito de discurso em Lacan é precisamente este: Estatuto de enunciados. Não se deve entender discurso como uma fala encadeada do professor que o aluno escuta, invertendo-se ocasionalmente esses papéis, quando é o aluno quem fala.
“O aluno abre mão da aprendizagem para manter o jogo da escola. Aprender seria passar a ser outro, isto é, passar a outro saber que não o saber passar. Ele recusa enfrentar-se com essa morte. O saber produzido no caderno é seu gozo perdido: produziu, mas não gozou, só repetiu, não aprendeu, fez de conta.” [CABRAL, 1992].

S é o significante mestre. (agente)
S é o saber, campo da lei, o campo do grande Outro, lugar onde se pode falar em (des)obediência. (trabalho)
é o sujeito barrado, sujeito castrado. (verdade)
a é o gozo, objeto perdido, causa do desejo que se esconde na falha do Outro. (produção)
___ indica um recalque ou uma omissão
O impossível.  É impossível que haja um mestre que faça seu mundo funcionar e fazer com que as pessoas trabalhem é ainda mais cansativo. O mestre nunca faz isso, diz Lacan. O desejo é sempre o desejo do Outro.
   É a barreira que separa os signos que figuram nos denominadores. O mestre só pode se sentir o tal à medida em que se isola do a do aluno e aparece como assumindo a função de mestre por mérito de conhecimento, não por astúcia. Diz Lacan: Instalar-se tranquilamente como sujeito do senhor, isso não pode ser feito na qualidade de mais-gozar.
S1     S
      a

Mantendo as posições de agente, verdade, trabalho e produção veremos que após ter atendido o desejo do Outro, o indivíduo não é mais o discurso do mestre. Os significantes giraram, como o diagrama:
S  a
S  
Se a função da demanda é exercida pelo próprio a, enquanto objeto perdido, isso só é possível se um semblante do a passar ao primeiro plano e funcionar como tampão da falha do Outro.

 “Aí está o oco, a hiância que, de saída, um certo número de objetos vêm preencher, objetos que são, de algum modo, pré-adaptados,  feitos para servir de tampão.” [LACAN, p. 48]

O desejo que move o S em sua função de saber é, então, causado por esse objeto, e constrói sua fantasia a partir do semblante que o objeto apresenta. “ O objeto a é o que são todos vocês, na medida em que estão aqui enfileirados.” [LACAN, p.170]

Discurso do analista ... discurso do objeto

Desejo             Outro               Discurso do analista             agente      trabalho
     a                                     Analisar é impossível                 a             
     S              S                                                                                     S             S
Verdade       perda                                                                         verdade          produção

Esse discurso marca o momento em que o mestre passa a fazer aplicações da teoria dada e passa alguns exercícios para serem resolvidos ou o momento da prova. Na posição do agente temos o objeto a, que subitamente muda de semblante: não é mais o estudante que comparece aí, mas o que se pode chamar objeto do conhecimento, em geral sob a forma de um exercício a resolver. A verdade desse momento é o saber organizado que, agora, não deve aparecer como tal, mas, sim, sob a forma de uma intimidade do indivíduo com o objeto de conhecimento. É preciso que o exercício não seja mera aplicação de fórmula, para que não se recaia no discurso do mestre. É preciso que o indivíduo busque os elementos necessários à solução na história de seu saber, na teoria, S, que agora comparece como fundação recalcada. Quem trabalha para isso é o , o sujeito castrado, este que se contentava com sua posição de estudante da teoria e a quem se pergunta, quando tira zero na prova: Afinal, o que você quer? Poder-se-ia completar, para deixá-lo espantado: Não vê que agora é seu o desejo que move o processo? [CABRAL, 1992].

Sua produção deve ser agora a solução. No momento em que o aluno entrega a prova, algo é dado por pronto: É isso aí. É o que pude fazer. Sou o que sou. Produziu um S, significante sem outro significado. Quando entrega a última prova e é recompensado com o diploma, ou com o passe, quando se trata da formação de psicanalistas, o aluno volta a ser o sujeito barrado sob esse significante S . É isso que o autoriza a ser professor. Com a formatura, recupera-se o discurso do mestre e a história se reproduz.

Em algum lugar deve estar escondida a razão última, a essência, dessa relação. De posse dela saberei orientar-me tanto na demonstração quanto nas aplicações.

Em nossos termos, diria: Esse a que me falta e que talvez o Outro tenha, é o a sustentado por um saber S de posse do qual eu me produzirei como senhor S. É o desejo do , funcionando a partir da posição do Outro, que faz o discurso do objeto. Pondo-se na posição do Outro, examina, interrogando o objeto, posto na posição do desejo. Aí começa sua via crucis.”

A relação afetiva entre duas pessoas fragmentadas tentando manter a relação é a Torre de Babel onde ambas são objeto e não sujeito da ação, aí a relação se torna promíscua. Esses buracos resultam na desmotivação, não há ação. Ex.: Uma mulher diz que o marido é chato. Essa leitura que faz do marido é um buraco na sua estrutura que a impede de gostar dele. Se ela fechar essa falta irá acontecer um conjunto de novas atitudes que resignificarão o sujeito tornando-o melhor porque ele se tornará a expressão do desejo.

A rotina é uma obrigação enquanto sujeito barrado até criar uma opção, no entanto, se algo acontece de diferente causa irritação.

No imaginário não existe sujeito consciente e ele se torna um “ser” quando fecha os buracos instintivos significando-os. Quando uma pessoa se coloca na terceira pessoa, ela está muito longe dela. Ela pode produzir soluções fantásticas criadas pelo Self que engole o eu. Ex.: Pelé = Suspensão do eu.  Mas com a terapia ela vai saindo do “outro” (mãe) para o “Outro” (Pai, Divino).

Os nossos companheiros são de fato como são ou são produtos daquilo que compreendo dentro da minha cadeia de significantes?
O que temos na nossa frente é um Sujeito Barrado. O seu sofrimento é o buraco, o espaço vazio. Falta uma emoção que reconhece que ele não é o sujeito. A maneira pela qual se percebe esse buraco é dada pela projeção. Se o sujeito não ficar apavorado e não achar o sujeito preso, não resolve fecha o buraco na psique por isso que há um momento que a morte é uma situação de cumplicidade por ter um significado a tal ponto que não há mais espaço para a significação.

Não existe loucura; só existe a incapacidade para entender.

Atendimentos na Zona Sul e Zona Norte

e-mail: beth.psicanalista@yahoo.com.br

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